“A Harmonização é pra ser leve”
Esta é uma frase que a Roberta ouviu em uma reunião com alunos da especialização, dando a entender que não é pra ter stress quando está se trabalhando nesta área…
Fiquei pensando por vários dias no que esta frase implicava. Se algo “leve” é ser livre de emoções fortes, estresse e tensões, será que, na harmonização facial dá pra se divertir? É ter menos compromisso, ter riscos menores, trabalhar só com o lado bom da profissão (seja ela qual for)?
Daí veio na minha mente uma afirmação que ouvi de vários alunos, quando estes se apresentam no inicio de um curso: cansei de ver dente (a grande parte dos nosso alunos são dentistas, como eu), já trabalho há XX anos com odontologia e quero respirar novos ares.
Talvez até você, leitor, já tenha desejado isso, né? Mas até que ponto a Harmonização é mais “leve” que a odontologia de raiz? Eu particularmente acho a Harmonização uma área …
Extremamente Difícil
Não estou falando isso tentando supervalorizar a área que atuo, mas sendo realmente sincero.
E vou explicar. Vamos pegar uma outra área da odontologia, a implantodontia (sim, meus exemplo caem sempre nisso porque trabalho nessa especialidade de 1999, mas você pode buscar semelhanças em outras áreas da saúde). Implantodontia pode ser reduzida a 3 campos de conhecimento, todos interligados:
- Fixação do implante ao osso
- Conexão do implante à prótese
- Confecção da prótese propriamente dita
O primeiro campo envolve aprender um oficio, que é de ferramenteiro. Avaliar a densidade óssea, saber usar brocas em sequência, acertar um eixo adequado e a profundidade e pronto (você pode ficar bravo com essa simplificação, não ligo e não mudo de opinião. Atuo com implantes toda minha vida profissional e é isso que faço ano após ano, com pequenas evoluções técnicas com o passar do tempo).
O segundo, envolve entender qual a melhor forma de unir a prótese ao implante. Cimentado? Parafusado? Reto? Inclinado? Faça sua escolha e manda bala. Parafusa sobre o implante e pronto.
O ultimo envolve uma parte mais elaborada, moldagem (que acaba sendo mais simples que moldagem sobre dente), prova de estrutura, finalização estética, ajuste oclusal.
Claro que podemos colocar nuances em cada um destes campos. A regeneração óssea, enxerto gengival, pilares personalizados, mas em essência a sequencia de uma reabilitação sobre implantes é sempre igual.
E 90% deste conhecimento é absorvido na prática, com a bunda no mocho e de paciente com boca aberta pra você.
Mas a prática se repete ad eternum, teve uma variação, sempre rodando a partir da mesma habilidade inicial. Daí voltamos para a Harmonização.
Não existe outra especialidade da saúde que exija um conhecimento tão vasto de tantas técnicas, muitas completamente distintas entre si.
Se você não concorda, me explique o que tem de comum entre um tratamento com preenchedor facial, com fios de sustentação, um peeling, a toxina botulínica e o microagulhamento? Tirando o objetivo final, quase nada…
Ficando em uma pequena parte do campo de conhecimento necessário à harmonização, cada uma das técnicas apresentadas tem produtos, planejamentos, técnicas clínicas, intercorrências, abordagens quase que diametralmente opostas entre si…
Ou seja, as técnicas variam tanto entre si que demandariam MUITO tempo para serem dominadas, ao contrário do exemplo da Implantodontia que é UMA técnica que vai evoluindo com o passar do tempo. Seria como, na odontologia, um mesmo profissional realizar a endodontia, a periodontia, dentística, prótese, laminados cerâmicos e cirurgia de implantes e dominar cada área profundamente.
Vou ouvir isso: “Oras. Isso que você falou são tratamentos oferecidos por um cirurgião-dentista clínico geral, então é sim possível…” Concordo em gênero, numero e grau.
Mas uma coisa disse meu pai há muitos anos: se você tem muitas especialidades, você não é especialista em nada.
Foco e Determinação
E isso acontece com a Harmonização Facial. Querer fazer com maestria peeling, fios de sustentação, preenchedores, cirurgias como o lip lift e tudo o que “cabe” à harmonização é o mesmo que ser um clinico geral, fazer de forma mais ou menos tudo.
Falta a muitos o FOCO em uma técnica.
Vou usar um exemplo que todos devem conhecer. O Dr. Igor Alves, que fez a harmonização da Gretchen (outra onipresente por aqui…) e que bombou pelo trabalho bem executado. Ouvimos ele falar de preenchedores. E só.
Ele é F***A no uso dos preenchedores.
Ele tem a maestria que falei agora há pouco, dentro de um campo de estudo bem específico. Não digo que concordo com tudo que ele mostra, com todos os resultados obtidos (aliás, tenho várias ressalvas em relação a muitos dos casos que vejo), mas não posso tirar o mérito de ser um profissional que entrega resultados. Mas em UM tema.
A insustentável leveza do Ser
Então vimos que o DOMíNIO da harmonização em todas suas vertentes é algo virtualmente impossível para qualquer pessoa. Mas voltando ao assunto: não acho que uma especialidade como a Harmonização Orofacial, ou Facial, seja algo leve.
Bem o oposto disso.
E percebemos isso no dia a dia com os pacientes que nos procuram para estes tratamentos.
Compare comigo: chega um paciente com dor de dente. Cárie gigante, lesão endo-perio, resolve a emergência (a dor) e o paciente sai temporariamente satisfeito. Volta pra finalizar o tratamento, chega uma hora que vê-se que não tem solução e precisa arrancar o dente. Como é lá do fundo, o paciente lança algo tipo “nem precisa por o provisório, dr, ninguém está vendo ai no fundo”. E o paciente sai satisfeito: “O doutor é muito bom, tirou a dor do dente, mas não teve jeito, teve que arrancar mesmo…”
O cidadão aí em cima acabou de ser mutilado e saiu feliz da vida do dentista, elogiando o profissional que é muito bom, resolveu um problemão.
E isso fica ainda mais estranho se consideramos que houve uma mutilação: arrancar um dente. Todos profissionais sérios concordariam que é uma mutilação, mas nem por isso deixam de fazê-lo quando necessário.
Agora vamos trazer isso pra harmonização, em dois exemplos que já vivenciamos aqui:
Uma moça nova, na faixa dos seus 30/35 anos, vai fazer uma rinomodelação, só “um retoquezinho na ponta”, e o colega coloca 0,2 ml de preenchedor no pior local possível. Chega pra nós já em estágio de necrose, e lá vai se tratar com várias semanas de câmara hiperbárica, hialuronidase aos litros, laser, PRF, ozonio, reza, mandingas e depois de 1 mês ela está “curada” mas marcada para sempre. Tudo por causa de um “retoquezinho”.
Ela PRECISAVA do retoque? Não. Ela QUERIA um retoque. E o querer dela levou a uma mutilação que não vai se esconder mais, tá lá, bem na frente dela toda hora que for escovar os dentes.
Esta mutilação a paciente não vai aceitar como sendo a solução para ela (oposto do dente que comentei acima da dor de dente).
Me diga, colega leitor, é leve lidar com isso? Suave e tranquilo?
Ahhh, Rogério seu exagerado, isso não é a regra!
Obvio que não, ainda bem, mas vou para o segundo exemplo com um diálogo que tenho certeza que muitos já tiveram:
Paciente nos seus 70 anos descobre que o profissional faz Harmonização e marca uma avaliação, e na avaliação surge uma pergunta importante:
– “A senhora tem algum cuidado diário com o rosto? Creme, hidratante, protetor solar?”
– “Não doutor, não faço nada!”
Depois de engolir seco, você propõe um tratamento pra paciente imaginando a estrada cheia de buracos que vai enfrentar para chegar no objetivo. Bioestimulador, fio liso, toxina, peeling, PRF, preenchedor.. Pacote completo pra senhora de 70 anos que por 70 anos não passou nem um creme Nívea no rosto.
Não sei de vocês, mas uma paciente com este perfil demora muuuuuito para que um resultado clinico seja perceptível. E a lógica seria iniciar com Toxina (sempre é) e bioestimulador? Faz a Toxina pra começar os trabalhos.
Depois de duas semanas ela não movimenta um músculo, mas todas as marcas estáticas carinhosamente cultivadas e alimentadas por 70 anos estão lá, presentes e resplandecentes.
A Senhora fala: Doutor, não teve melhora nenhuma…
E lá vai você explicar que é assim mesmo, as marcas vão sair com os tratamentos complementares, etc, etc. Tudo que você havia explicado na sua avaliação tem que ser repetido mais uma vez, e a consulta de retorno que iria tomar 15 minutos virou 1 hora.
Ela entende (pelo menos fez que entendeu) e agenda a próxima sessão. Bioestimulador.
Daí faz a primeira sessão. depois de 15 dias mês ela chega e de novo: Doutor, não vi melhora nenhuma… E o ciclo continua.
Toca explicar que os efeitos começam a ser vistos aos poucos, no decorrer de meses porque simplesmente não dá pra reverter 70 anos de envelhecimento em duas sessões seja lá qual terapia você tenha oferecido…
Até chegar uma hora que ela desiste, vai e embora achando que você não sabe o que está fazendo e que não teve melhora de nada….
Acho que teríamos muitas, dezenas possivelmente, de situações semelhantes para apresentar para você. Agora me diga: Lidar com um paciente nestes moldes é “leve”?
Lidar com um paciente que está mutilado no meio da cara, é “leve”?
Leve, para MIM, é programar a exodontia de um dente incluso que tem começo, meio e fim bem objetivo: uma sessão de avaliação, outra de procedimento, a última de tirar o ponto e encerrar o tratamento.
E o paciente sai satisfeito mesmo se ficou parecendo o Fofão depois da cirurgia, te elogiando porque tirou o dente que estava super difícil e ficava doendo.
Harmonização Facial não acaba, tem retornos periódicos que nem todo paciente compreende, que demanda algo mais empírico como o que a pessoa acha estético ou bonito…
A Harmonização Facial ou Orofacial não é Odontologia!
Outra coisa que penso ser necessário dizer é que a Odontologia, ou qualquer outra área, não deve assumir sendo proprietário desta técnica.
Não é pra brigar com médicos, não é pra arranjar encrenca com outros profissionais de saúde, mas importante colocar algumas considerações a respeito da Harmonização Facial que, talvez, muitos não concordem…
Na MINHA opinião Harmonização Facial ou Orofacial NÃO é Odontologia.
Nunca foi. Está, aliás, bem looooonge disso. Mas isso não quer dizer que não seja coisa de cirurgião-dentista ou que não possa ser realizada por profissionais da odontologia. E é isso que explico nesta aula.
Mas onde você quer chegar?
Brincadeira.
Mas preciso chegar exatamente aqui: Mostrando que a Harmonização Facial não é fútil muito mesmo supérfluo como muitos consideram porque lida com coisas que poucas outras área da saúde lidam.
Não é algo simples, envolve riscos absurdos e não “leves”.
É cansativa, estressante, e demanda uma dedicação intensa para o domínio técnico de suas várias subdivisões.
Você pode até achar melhor fazer um procedimento com 10 seringas de preenchedores ao invés de uma cirurgia de 5 implantes, mas isso não mostra que a harmonização deva ser encarada com algo suave e divertido.
Não é.
Mas não deixa de ser gratificante ver os bons resultados, né? Pensem nisso tudo e envie para gente seus comentários e seus causos. Podemos expandir este assunto em postagens futuras.