Vou começar usando um exemplo estranho, mas vai ajudar a compreender as técnicas de injeção que descrevemos a seguir.
Nós temos dois gatos. A Fuligem, que é bem miudinha (não é filhote, mas o que não tem de tamanho, tem de braveza. E não critique o nome que demos, a encontramos ela perdida em uma garagem…). E outro, que veio de um abrigo já adulto com o nome de Capitão Gancho mas que hoje chamamos simplesmente de Gatão, porque ele tem, tranquilamente, duas vezes e meia do tamanho da Fuligem. Deve pesar uns 7 quilos (nem é de gordo não, é grandalhão, e engraçado que este é muito, muito bonzinho, maníaco do cafuné).
Eles vivem nas brigas e carinhos, um amor meio bipolar, mas tem uma hora que eles se unem: quando preciso arrumar a cama.
E quem tem gato sabe: hora de arrumar a cama é hora deles resolverem subir no lençol e ficar por lá, na cama. Com o tempo deixei de ficar tirando eles toda hora e simplesmente arrumo a cama com os dois deitados por lá mesmo. Então eles ficam no lençol de baixo, e coloco o lençol de cima, depois um cobertor, às vezes um edredom, uma colcha… E os dois lá.
E agora você deve estar se perguntando: “Onde diabos esse cara quer chegar?“
Peraí. Estou quase lá. Continuando…
Então imagine esta cena: dois gatos na cama, e coloco o lençol. O que vejo por cima depois? Dois volumes, um pequeno e um grande, que ainda mantém um aspecto de gato, dá pra identificar as partes dos dois com certa facilidade
Daí coloco um cobertor. E passo a observar um montinho, sem forma, só um voluminho abaixo do cobertor, e uma bolotona, que tem alguma lembrança com um formato de gato, ainda dá pra perceber que é o Gatão por lá.
E quando tá frio, coloco um edredom em cima de tudo. O montinho se mistura com o edredom, vê-se um voluminho que poderia ser facilmente ser confundido com um amassado da coberta, e a bolotona que ainda nos remeteria ao Gatão dá lugar a uma projeção grande, mas agora sem forma ou sem desenho algum.
“Tá bom. Agora você tem dois gatos na cama cobertos por um edredom, mas o que isso tem a ver com as técnicas e planos dos preenchedores faciais?
Tudo, oras. Vou explicar.
Volume injetado
Quando os dois estavam cobertos somente pelo lençol, era possível identificar os volumes visíveis como sendo gatos, não é?
Então a primeira coisa é entender que, dependendo do plano a ser injetado, o volume de material preenchedor pode fazer mais ou menos diferença.
Colocar um preenchedor em um plano mais profundo, exige uma maior quantidade de material para que o efeito seja visível, ao passo que em planos mais superficiais o volume pode ser reduzido.
Forma do Preenchedor
Vamos imaginar que ao cobrir com o lençol e o primeiro cobertor, a Fuligem estivesse de pé enquanto o Gatão estivesse deitado. Então apesar de volumes diferentes, a altura da Fuligem supera a altura em que o Gatão se encontra. Nesta situação, a PROJEÇÃO do cobertor seria muito superior sobre ela do que sobre ele, não é? Mas vai ter uma área maior projetada no Gatão do que na gatinha, correto?
Então veja que a forma com que o preenchimento é colocado no tecido também vai interferir no resultado final. Aplicar em BOLUS (vamos ver isso daqui a pouco) vai trazer mais projeção de tecidos do que aplicação EM LEQUE, mesmo se o leque tiver um volume maior de preenchedor. Mas o Bolus será pontual, ao passo que o leque atua em uma área.
Quantidade Mínima para Efeito Clínico
Voltando pros gatos. Vamos supor que a Fuligem tenha tido 10 filhotes, e que hoje a soma do volume destes filhotes fique igual ao volume da mãe. Ou seja: 10 gatinhos = 1 Fuligem. E todos os 11 resolveram subir na cama e ocupar todo o espaço da cama.
Se colocar o lençol, possivelmente vamos poder identificar 10 bolotinhas que lembram gatinhos, e a Fuligem, que também é identificada. Dai coloco o primeiro cobertor. Possivelmente os gatinhos vão se mostrar como irregularidades no cobertor enquanto a Fuligem será um montinho que nem dá pra saber que é uma gata. E se colocar o edredom, no máximo uma irregularidade onde esta a Fuligem, os gatinhos poderão até passar despercebidos….
Então veja só: Se não houver um volume mínimo de preenchedor por área, não é possível obter resultados clínicos.
Isso me remete a uma frase que sempre ouço dos alunos: “Sobrou 0,1 ml na seringa, coloco onde?”
Então coloque onde 0,1ml faça diferença, porque se simplesmente espalhar em vários pontos não vai ter efeito algum… Aliás, a expressão “sobrou preenchedor” deve sair do seu vocabulário. Um bom planejamento indica a quantidade certa de preenchedor por área, sem sobras.
Deixando os gatos de lado, vamos correlacionar estas informações com as principais técnicas de aplicação dos preenchedores.
Técnicas de Aplicação
O MD Codes (e outras técnicas) utiliza de 5 formas de aplicação dos preenchedores, dependendo do objetivo e efeito desejado. Começando pelos mais comuns:
Bolus
Aplicações em ponto único, com o dispositivo (agulha ou cânula) fixos em um mesmo local, depositando pelo menos 0,3 ml de Preenchedor. Os bolus podem ser aplicados supraperiostealmente (com o uso de agulhas com a aspiração antes da injeção – falaremos a respeito em breve) ou em subcutâneo médio/profundo com o uso de cânulas.
Lembre-se que esta forma de aplicação vai ter um efeito de projeção grande dos tecidos, então, como os exemplos acima, quanto mais superficial, mais visível será o efeito, e mais identificável é o formato do bolus (ou seja, pode ficar com um aspecto empelotado se estiver muito superficial)
Existe ainda uma variação que é um “bolus pequeno” que tem volumes máximos de 0,1 ml, e que o nome correto chama-se Ponto. É exatamente a mesma forma de aplicação, mas com volumes menores.
Depot é um outro nome para a técnica de Bolus, e encontramos esta expressão em alguns artigos.
Linear ou Em Linha
Como o nome diz, é uma linha de preenchedor, aplicadas com agulhas ou cânulas em técnica de retroinjeção ou anteroinjeção (falaremos sobre essa diferença quando abordarmos a segurança e conforto, em outra postagem).
Não existe uma quantidade mínima por linha a ser injetada, este volume deve ser pensado de acordo com o efeito desejado e como foi feito o seu planejamento. É uma técnica, ouso dizer, pouco utilizada, mas ela é a base das próximas duas técnicas que explico a seguir.
Em Leque e Cross-hatching
Nada mais é do que uma sequência aplicações lineares que tem um formato de leque, folha ou “jogo da velha”. Por aqui, a técnica cross-hatching chamamos de “aplicação em hashtag” também.
O objetivo é a volumização de grandes áreas, que não conseguem ser tratadas por bolus ou pontos, e usualmente são feitas em planos mais superficiais ou médios com a intenção de regularizar a área.
Penso que seja a técnica mais difundida dos preenchedores, usadas em diversas abordagens, apesar das limitações que existem em posicionar os preenchedores somente em planos mais superficiais (vamos falar sobre isso oportunamente).
Aliquotas ou Droplets ou Micro-pontos
É uma técnica feita com o uso de micro pontos de material, indicada para áreas mais sensíveis ou marcas/rugas mais superficiais: marcas periorbiculares do olho e da boca, glabela, fronte, e sempre são aplicadas bem superficiais, já que a quantidade de material não tem nenhuma capacidade de projeção de grandes volumes de tecido.
Não existe também uma regra de quantidade por micro-ponto, mas imagine que 0,1ml de preenchedor deve permitir entre 10 e 15 micro-pontos
Leitura complementar
- Alam, Murad; Tung, Rebecca (2018). Injection technique in neurotoxins and fillers: Planning and basic technique. Journal of the American Academy of Dermatology, 79(3), 407–419. 10.1016/j.jaad.2018.01.034
- Wilson, Anthony J.; Taglienti, Anthony J.; Chang, Catherine S.; Low, David W.; Percec, Ivona (2016). Current Applications of Facial Volumization with Fillers. Plastic and Reconstructive Surgery, 137(5), 872e–889e. 10.1097/prs.0000000000002238