Hialuronidase, preenchedores faciais, intercorrências, complicações em preenchedores

Usos da Hialuronidase na Harmonização Facial

Aqui você encontra a transcrição do Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Instituto Velasco, como requisito para obtenção do título de Especialista em Harmonização Orofacial da Dr. Antônio Flávio de Abreu Ricco. Orientador: Professor Rogério Gonçalves Velasco.


Veja no final deste artigo como assistir à apresentação do trabalho e baixar o arquivo em PDF.


1. INTRODUÇÃO

O uso progressivo de preenchedores de ácido hialurônico (AH) nos tempos atuais, se deve à sua praticidade, biocompatibilidade e efetividade no desempenho estético para reparação de linhas de expressão, volume e contorno na face. O AH pode ser descrito como um polissacarídeo de aspecto gelatinoso e de alta viscosidade, que é encontrado em tecidos como peles, ossos, cartilagens e fluido sinovial.

Em um estudo do ano de 1934 realizado por Meyer e Palmer, os autores observaram que o corpo vítreo do olho bovino serviria como um preenchedor estético eficaz, contudo, essa substância possuía curto período de duração, e através desse produto, após diversas alterações (cross-linking), foi possível criar um material que não reagia com o sistema imune e com maior tempo de duração, que originaria os preenchedores injetáveis de AH. Duas maneiras de confecção deste produto foram desenvolvidas: a partir da extração da crista de um galo ou, a mais aplicada atualmente, que é através de fermentação bacteriana (biotecnologia).

Apesar do uso do AH ser considerado seguro e possuir um baixo índice de complicações, nenhum procedimento estético com o uso deste material está isento de intercorrências, sendo necessário que o profissional esteja sempre alerta aos sinais de oclusão vascular, que eventualmente, se não houver nenhuma intervenção, pode evoluir para um quadro de necrose com sequelas que podem ser permanentes para o paciente.

As possíveis intercorrências decorrentes dos procedimentos estéticos realizados com o AH, necessitam de meios terapêuticos eficazes e que atuem de maneira rápida. Sendo assim, o profissional responsável, tem que estar preparado para monitorar e identificar esses acontecimentos, e caso seja necessário, fazer a aplicação da hialuronidase.

A hialuronidase é uma enzima que atua na despolimerização do AH, quebrando as ligações entre os resíduos N-acetil-D-glucosamina e ácido D-glucurônico, reduzindo a massa molar e viscosidade do ácido, transformando sua viscoelasticidade, e, dessa forma, retomando o fluxo sanguíneo local.

Portando, o uso da enzima hialuronidase, é indicado para minimizar as possíveis intercorrências advindas do excesso de material no preenchimento estético, ou quando a aplicação do AH é feita inadequadamente fora do local planejado.

2. OBJETIVOS

Este trabalho teve como objetivo reunir informações de artigos presentes na literatura, de forma relevante, sobre o uso da hialuronidase em procedimentos com preenchedores a base de AH, dentro do campo da harmonização orofacial.

3. REVISÃO DE LITERATURA

Hialuronidase

A hialuronidase é definida como uma proteína solúvel que possui um importante papel sendo responsável pela degradação das enzimas das glicosaminoglicanas, hidrolisando o ácido hialurônico, rompendo a ligação ß-14 entre os resíduos N-acetil-D-glicosamina e o ácido D-glicurônico, produzindo uma maior permeabilidade na pele e tecidos de conexão. Esta proteína é bastante identificada na natureza, e no envolvimento de muitas fisiopatologias como difusão de toxinas ou venenos, metástases, fertilização, infecções microbianas e cicatrização. São reconhecidos, seis genes codificadores de hialuronidase no genoma humano: Hyal-1, Hyal-2, Hyal-3, Hyal-4 e PH-20/Spam 1 MJ [1,11].

Hialuronidase de origem animal tem sido utilizada, clinicamente, por mais de setenta anos. O US Food and Drug Administration (FDA) aprova o uso da hialuronidase para as seguintes situações [13]:

  • infusão de fluido subcutâneo (hipodermóclise);
  • Para acelerar a absorção e dispersão de drogas no tecido subcutâneo ou para controlar o extravasamento como um adjuvante;
  • Como um adjunto para promover a absorção de meios de contraste na angiografia do trato urinário (urografia subcutânea).

Além dessas indicações, na Europa, a hialuronidase também é aprovada com o propósito de amplificar a absorção de hematoma. A diversidade da utilização da hialuronidase, vai além de suas indicações na bula. Atualmente, seus usos “off-label” compreendem a dissolução de preenchimentos a base de AH, acidentes vasculares relacionados com o uso de preenchedores, e o tratamento de reações granulomatosas de corpo estranho.

Tipos de Hialuronidase

Inicialmente, as hialuronidases para o uso clínico, eram provenientes de tecido testicular ovino ou bovino, e a enzima que era obtida mediante este procedimento, era impura e podendo induzir reações adversas com seu uso [12, 14].

Nos dias atuais, a hialuronidase para o uso clínico, podem ser de origem animal ou recombinante humana. Os produtos aprovados pelo FDA, incluem a hialuronidase de origem em tecido de testículo bovino (Amphadase), de testículo ovino (Vitrase), e de recombinante humana (Hylenex). Todos produtos possuem risco em mulheres grávidas na categoria C, onde não existem estudos adequados em humanos [16-18].
De acordo com as propriedades enzimáticas, a hialuronidase, pode ser classificada em três principais categorias:

  • Hialuronoglucosaminidase ou “hialuronidase do tipo testicular”;
  • Hialuronato glicano-hidrolase ou “hialuronidase do tipo sanguessuga”;
  • Hialuronato-liase ou “hialuronidase de tipo bacteriano”.

O tipo testicular se faz presente nos espermatozóides de mamíferos, em venenos de cobras, e da ordem de insetos holometábolos, como abelhas, vespas e formigas.

No Brasil, a apresentação farmacêutica mais comumente utilizada da hialuronidase, é de Hyalozima, que possui registro na Agência Brasileira de Vigilância Sanitária (ANVISA) – registro 101180012. Este registro está vencido desde o ano de 2017, porém, não apresentou danos consideráveis para o uso em humanos.

Utilização da Hialuronidase

A indicação “off-label” da hialuronidase na harmonização orofacial após o uso de preenchedores a base de AH, se faz necessária nas seguintes situações: Nódulos, excesso de produto depositado, a aplicação de AH no plano incorreto, assimetrias, efeito Tyndall, granulomas, oclusão vascular (que pode evoluir para necrose tecidual).

A utilização da hialuronidase na correção de nódulos decorrentes do preenchimento com AH, existe na literatura há mais de quinze anos. Em 2004, um estudo de Soparkar et al. citou o uso de 2,5 a 5UI de hialuronidase em um paciente que possuía nódulos de rítides perioculares 5 anos após o preenchimento com AH (Restylane®), com o resultado de eliminação total dos nódulos após sete dias da aplicação da hialuronidase .

O efeito Tyndall consiste em uma aparência de cor azulada no local de aplicação, que ocorre quando o preenchimento é feito de maneira superficial. A cor azulada é decorrente à transparência da pele fina com vestígios de hemossiderina pós lesão vascular e/ou distorção da visualização de refração da luz através da pele.

Para granuloma após o preenchimento com AH, o tratamento com hialuronidase se mostrou eficaz na literatura. Em 2005, Brody relatou um caso de uma paciente do sexo feminino que apresentou focos de processo inflamatório granulomatoso persistente após o uso de preenchedor a base de AH, onde foi primeiramente feita a terapêutica com a associação de anti-inflamatórios corticoides e antibióticos e não se mostrou eficaz. O tratamento que se mostrou eficiente foi 15UI de hialuronidase (0,2ml de solução com 75UI) que resultou no desaparecimento em 24 horas sem recorrência.

Para oclusões vasculares por preenchedores de AH, a hialuronidase injetada de maneira precoce, reduz as consideravelmente as complicações, entretanto, se for aplicada após 24 horas do preenchimento com AH, não demonstra benefícios em bloqueios vasculares.

Um estudo de 2014, feito por DeLorenzi, avaliou a capacidade da hialuronidase de penetrar a parede hígida da artéria facial humana para degradar o preenchedor a base de AH, onde frações da artéria de cadáver fresco foram preenchidas com AH (Juverderm Ultra Plus XC®), e posteriormente foram mergulhadas em 300UI de hialuronidase ou em soro fisiológico (como um controle). Somente as amostras que foram imersas 24 horas na hialuronidase demonstraram a degradação do preenchedor.

Um teste cutâneo pode ser feito antes da utilização do material no paciente para verificar se existe ou não alguma reação alérgica. Para hialuronidase a execução deste teste preliminar é recomendada pelas bulas dos medicamentos, de forma que o uso é contraindicado nos resultados positivos. Para execução do teste, são aplicadas 3UI de hialuronidase na região intradérmica, e após 5 a 20 minutos, se observa calor e formação de pápula eritematosa no local, indicando a positividade do teste. Para alguns autores, a execução desse teste não se faz necessária, pois, a presença de complicações alérgicas são muito raras e podem ocorrer mesmo que o teste cutâneo seja negativo.

Ácido Hialurônico e Hialuronidase.

A eficácia em degradar o preenchedor a base de AH é diretamente proporcional à capacidade de acessar as ligações intramoleculares dentro do AH. A concentração e número de ligações cruzadas entre as moléculas do AH, são fatores que influenciam o acesso da hialuronidase. Quanto maior a reticulação do AH, maior a dificuldade de acesso da hialuronidase em locais de ligação dentro do preenchedor. Desta forma, os preenchedores a base de AH com reticulação mais alta, demandam mais tempo para se dissolver com a hialuronidase. Com relação à concentração do AH, quanto maior, mais devagar será a degradação pela hialuronidase.

Como já citado, a hialuronidase, pode ser injetada por via subcutânea, eliminando a necessidade de aplicações intravasculares para tratar oclusões vasculares decorrentes de preenchimento com AH. Wang et al. relataram, também, que as injeções subcutâneas de hialuronidase, se mostraram mais eficientes do que as aplicações intravasculares para o não desenvolvimento de necrose tecidual causada por embolia com preenchedores a base de AH.

Efeitos Adversos, Interações Medicamentosas e Contraindicações

Podem ocorrer efeitos adversos decorrentes das aplicações de hialuronidase, dentre eles, prurido local e reações alérgicas. As reações alérgicas são raras, com uma incidência de 0,05% a 0,69%, assim como urticária e angioedema, com uma incidência de menos de 0,1%.

Manifestações alérgicas ocorrem com mais frequência quando a dose de hialuronidase é maior que 100.000 UI por aplicação intravenosa, e essas complicações alérgicas podem aumentar para 31,3% se a dose aumentar para 200.000 UI.

A maior parte das alergias a hialuronidase é de hipersensibilidade imediata (tipo I, mediada por IgE), onde existe uma manifestação como edema eritematoso após 1 a 2 horas da aplicação e não há resposta à antibióticoterapia, e também podem ocorrer hipersensibilidade tardia (tipo IV, mediada por células T), onde as manifestações podem ocorrer após 24 horas da aplicação, sendo que, nesses casos, um teste cutâneo não terá resposta positiva em 20 minutos, tornando-se um falso negativo.

Em muitos casos não existe elo entre o histórico alérgico do paciente e a hialuronidase, contudo, conforme a origem da hialuronidase, o seu uso deve ser evitado, pois, poderão ocorrer reações cruzadas em pacientes com antecedentes de alergia à colágeno bovino e/ou picada de abelha, pois a hialuronidase é um componente presente no veneno [13].
Alguns fármacos como corticosteroides, estrógenos, salicilatos, hormônio adrenocorticotrófico e anti-histamínicos, presumem fazer com que os tecidos fiquem parcialmente resistentes à degradação do AH pela hialuronidase.

Benzodiazepínicos, furosemida e fenitoína, aparentam incompatibilidade com a hialuronidase. Em gestantes, a hialuronidase é considerada categoria de risco C (onde não existem estudos controlados em humanos).

Outra contraindicação relevante, é a existência de processo infeccioso no sítio a ser tratado, por causa do risco iminente de propagação da infecção, o uso da hialuronidase deve ser evitado, ou, se houver necessidade, deve ser associado a antibióticos.

4. DISCUSSÃO

O profissional que irá atuar na área da harmonização orofacial e realizar procedimentos com preenchedores a base de AH, necessita conhecer as técnicas em sua teoria, entender a anatomia facial, bem como a correta utilização da hialuronidase em intercorrências, pois, a terapia com o uso da hialuronidase, pode corrigir as complicações inesperadas durante ou após o preenchimento facial.

A hialuronidase é descrita como uma enzima que pode ser de origem animal ou recombinante humana. Inicialmente, eram derivadas de tecido testicular de ovelha ou boi, entretanto, o material que era obtido através deste procedimento poderia conter impurezas e induzir reações adversas.

A sua atuação se deve ao fato de ser responsável pela degradação das enzimas das glicosaminoglicanas, rompendo a ligação ß-14 entre os resíduos N-acetil-D-glicosamina e o ácido D-glicurônico, hidrolisando o ácido hialurônico, resultando em maior permeabilidade na pele e tecidos de conexão.

É fundamental que o profissional que irá realizar um procedimento com preenchedores a base de AH, tenha fácil acesso à hialuronidase, visto que, em situações de oclusões vasculares, quanto mais precoce o uso da hialuronidase, mais eficaz será para corrigir eventuais intercorrências. De Almeida 2015, sugere que se for aplicada em mais de 24 horas após complicações vasculares com AH, a hialuronidase não se mostra benéfica em bloqueios vasculares.

Em contrapartida, para nódulos ou excessos de materiais preenchedores a base de AH, a hialuronidase se mostrou eficaz, segundo Soparkar et al. que utilizou a enzima após 5 anos de um preenchimento que causou nódulos de rítides perioculares, com o resultado de desaparecimento total dos nódulos após uma semana da aplicação da hialuronidase.

A indicação para o uso da hialuronidase no campo da harmonização orofacial, é “off-label” e fundamental no tratamento das intercorrências como: Excesso de preenchedor a base de AH depositado, nódulos, aplicação no plano incorreto, assimetrias, granulomas, efeito Tyndall, oclusão vascular (que pode evoluir para necrose tecidual, cegueira e óbito), entre outras.

Após a aplicação do preenchedor a base de AH, para determinar se o tempo de retomada capilar da pele indica uma possível obstrução vascular ou não, um instrumento de compressão (como a parte redonda de uma tesoura de sutura para averiguar a capilaridade da região preenchida), pode ser utilizado no local da aplicação, e o tempo de recuperação capilar, indicaria a conduta a ser tomada.

Não existe um acordo, entre os autores na literatura, sobre a quantidade de hialuronidase a ser aplicada após uma intercorrência com preenchedores a base de AH, entretanto, há citações como as de DeLorenzi 2017, onde sugere-se que em caso de obstrução vascular, seja feita uma “inundação” com a hialuronidase, para garantir uma concentração de enzima capaz de hidrolisar completamente o AH dentro dos vasos. O autor ainda relata que uma degradação parcial do AH pela hialuronidase, poderia acarretar em uma obstrução tardia em outro ponto do vaso sanguíneo, portanto, o objetivo do uso da hialuronidase, é a completa hidrolização do AH, onde a enzima se difunde pela parede do vaso em uma dose dependente da concentração aplicada. Altas concentrações de hialuronidase aparentaram ser mais eficientes clinicamente, variando entre 500UI a 1500UI. Deve-se aplicar em tecidos isquêmicos, massageando suavemente para potencializar a permeação da hialuronidase.

Para complicações menores, como excesso ou aplicação fora do local desejado de material preenchedor a base de AH, existem algumas recomendações na literatura. Primeiramente há necessidade de diluição da hialuronidase, de forma que 50UI estejam presentes em 0,1ml do preparado, por exemplo, 2000UI de hialuronidase diluída em 4ml de soro, resultam 50UI por cada 0,1ml. A aplicação é feita de 0,1ml a 0,2ml no local para degradação do AH, seguindo a ideia de proporção 1:1 de quantidade de preenchedor a base de AH e hialuronidase, ou seja, a cada 0,1ml de AH, a dose seria de 0,1ml de hialuronidase. Quanto maior a reticulação do AH, maior será a quantidade de hialuronidase a ser utilizada.

 

5. CONCLUSÃO

É de suma importância que o profissional que atua na área de harmonização orofacial com preenchedores a base de AH, tenha em mãos a hialuronidase, que é capaz de degradar o AH, pois, se houver necessidade de aplicação para corrigir possíveis intercorrências como oclusão vascular, deve ser aplicada de maneira rápida, precoce, para que seja eficaz. Seu uso não apresenta riscos aparentes em humanos, porém, deve ser evitada em pacientes que apresentarem alergias, e mais estudos com a hialuronidase devem ser executados para maior esclarecimento.


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Publicado por:
Mestre em Medicina/Cirurgia de Cabeça e Pescoço, Especialista em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial, Prótese Dentária, Prótese Bucomaxilofacial e em Harmonização Orofacial. Coordenador de cursos em Implantodontia e Harmonização Orofacial do Instituto Velasco, Diretor do Hospital da Face. Trabalha desde 2011 em harmonização facial.