Não é incomum a confusão criada sobre os sobre os agregados sanguíneos fazerem parte do que consideramos bioestimuladores. E certamente esta confusão surgiu por uma comparação visual de resultados obtidos entre os bioestimuladores comercializados (Sculptra®, Radiesse®, Ellanse®), e os agregados sanguíneos (Plasma Rico em Plaquetas (PRP) e a Fibrina Rica em Plaquetas (PRF)).
Para solucionar esta dúvida, é importante que tenhamos elucidado o conceito do que é um bioestimulador e também entender como o nosso organismo reconhece e responde frente aos diferentes produtos e estímulos.
Qual o Conceito De Bioestimuladores?
O conceito de bioestimulador que se utiliza até os dias de hoje, teve sua aprovação em 1982 e um aprimoramento em 1991 e diz que:
Um biomaterial é qualquer substância (que não seja medicamento), ou combinação de substâncias, de origem sintética ou natural, que pode ser usada por qualquer período de tempo, como um todo ou como parte de um sistema que trata, aumenta ou substitui qualquer tecido, órgão ou função do corpo; para manter ou melhorar a qualidade de vida do indivíduo
Desta maneira, se avaliarmos apenas de forma clínica e visual os resultados obtidos após procedimentos, poderíamos estabelecer que diversos tratamentos que existem disponíveis no âmbito da estética, como por exemplo, microagulhamento, ultrassom microfocado, lasers, peelings, toxina botulínica, concentrados sanguíneos, hidroxiapatita de calcio, ácido poli-l-lático, policaprolactona,entre outros; se encaixam na descrição do que é um bioestimulador.
Mas para a indústria, a visão de bioestimulador é associado aos materiais que são sintéticos, biocompatíveis e particulados em sua essência; temos como exemplo o Radiesse®, o Sculptra®, o Elleva®, o Diamond®, o Ellansé® e inclusive os próprios fios de PDO. Portanto, ao ouvirmos a palavra, bioestimulador, deveríamos associar automaticamente à palavra partícula.
Quando analisamos os agregados sanguíneos, eles não são nem particulados e nem sintéticos, são materiais autólogos.
Biocompatíveis X Autólogos
David F. Williams, um grande pesquisador de biomateriais, trava uma briga constante sobre o uso correto do termo “biocompatível” (22). Ele insiste que o termo “biocompatível” não deve ser associado a um material e sim a um sistema muito mais complexo. Para exemplificar essa idéia Williams comenta que dizer que o titânio é um material biocompatível não podia estar mais errado, uma vez que é preciso especificar qual o tecido vivo que este titânio está interagindo.
E seguindo esta linha de raciocínio ele conclui que não há material com características de biocompatibilidade onipresentes e não há material exclusivamente biocompatível. Pois o mesmo titânio, citado acima, pode ser considerado biocompatível quando associado ao tecido ósseo mas pode não interagir com o um tecido conjuntivo, por exemplo; e nessa situação passaria a ser considerado um material biotolerado ou até mesmo bioinerte.
Williams cita alguns principais fenômenos que estão relacionados diretamente ao termo biocompatibilidade:
- Os eventos iniciais ocorrem na interface entre o biomaterial e o tecido. Reações estas que estão relacionadas com os fenômenos físico-químicos que ocorrem em questão de segundos ou minutos após o contato do biomaterial com os tecidos;
- A reação de corpo estranho que ocorre entre o implante e o tecido e pode ser vista acontecendo de minutos a anos
- A reação do próprio material na presença do tecido ao longo do tempo e que normalmente está relacionado à desgastes ou degradação do próprio implante
Como são as reações sistêmicas do organismo aos chamados “Bioestimuladores”?
Tendo o conhecimento destes parâmetros principais e também da idéia de que um material biocompatível é projetado para interagir de forma benéfica com o organismo, sem causar danos ou mesmo reações adversas; é possível entender que um biomaterial considerado biocompatível, pode muitas vezes ser considerado biocompatível por um determinado tempo apenas.
Diferente de um material autólogo, que é um biomaterial biocompatível por excelência, já que não há qualquer possibilidade de ser rejeitado pelo organismo e nem mesmo é capaz de gerar uma reação imunológica, por exemplo, como um biomaterial sintético biocompatível.
Diante disto é possível entender que um biomaterial é uma classe mais ampla de materiais e que um material biocompatível é apenas um tipo específico de biomaterial, assim como os materiais autólogos. Portanto, não é possível dizer que todo material biocompatível é semelhante entre si e promove o mesmo tipo de resposta no organismo.
A Reação De Corpo Estranho
A reação de corpo estranho é um artifício do organismo frente à presença de biomateriais particulados na tentativa de tornar este biomaterial não funcional e isolado até que consiga ser eliminado. De maneira epitomizada, seria como um “ciclo de feedback patológico positivo”, onde uma grande quantidade de matriz extracelular é cada vez mais depositada ao redor deste biomaterial e que acaba como consequência trazendo resultados estéticos significativos.
Todo esse processo tem como estrela principal o macrófago, que tem como função fagocitar restos celulares apoptóticos, corpos estranhos, antígenos, entre outros; além de emitir sinais para células de suporte durante os processos reparacionais, como por exemplo fibroblastos e linfócitos.
Na resposta de corpo estranho, inicialmente é realizado um reconhecimento pelas células do sistema imune inato, que é uma resposta rápida frente à uma agressão e de forma inespecífica e que envolve neutrófilos, monócitos e células dendríticas. Seguindo então para o reconhecimento do sistema imune adaptativo, que é mais específico e que envolve os linfócitos.
Pela estimulação dos linfócitos, os macrófagos “frustrados” (por não conseguirem fagocitar partículas, de certos diâmetros, de imediato), se unem formando uma célula bem maior, conhecida como, célula gigante multinucleada, que liberará enzimas com a função de degradar o corpo estranho.
Falando em Macrófagos…
Quando falamos em macrófagos, é normal nos referirmos a eles como macrófago do tipo I (M1) e macrófago do tipo 2 (M2), como forma de referenciar a via clássica (pró inflamatória), e a via alternativa (anti inflamatória), respectivamente; porém existem outros fenótipos de macrofagos. E é exatamente cada um destes fenótipos que será ativado de acordo com as condições e estímulos dos microambientes, pois o comportamento dos macrófagos é determinado de acordo com estes diferentes estímulos.
Esta plasticidade fenotípica dos macrófagos permite que estes participem durante todas as fases de reparação de um tecido, seja na iniciação, na proliferação e na resolução. (24)
Ao se isolar os receptores de superfície que estimulam a colonização de macrófagos é possível comprovar que sem a presença dos macrófagos não é observada a formação de cápsula fibrosa nem tão pouco fagocitose no local estudado. Fortalecendo a idéia de que o macrófago é de fato a chave principal na reação de corpo estranho. (25)
Ativação De Macrófagos
Frente à presença de materiais particulados, tanto os macrófagos residentes como os diferenciados dos monócitos locais, se diferenciam inicialmente em macrófagos do tipo 1, desencadeando um estímulo pro inflamatório o qual produzirá uma série de quimiocinas para a atração de linfócitos e então reconhecimento deste material.
Pensando nos bioestimuladores comercializados, que possuem tamanhos de partículas superiores a 20 micrômetros, estes macrófagos não conseguem fagocitá-los de imediato; sendo então acionado através da liberação de citocinas específicas para a diferenciação de macrófagos do tipo 2 para o local, o qual promoverá a formação de uma capsula fibrosa ao redor das partículas, fazendo com que elas fiquem isoladas até serem totalmente eliminadas pelas células gigantes.
Porém frente à um material autólogo não particulado, no caso em questão o PRP/PRF, não há material para ser reconhecido de fato; por este motivo a diferenciação em macrófago do tipo 1 é reduzida.
Existe, sim, um processo inflamatório instalado inerente à administração do material, mas que imediatamente estimula a diferenciação em de monócitos e de macrófagos do tipo 1 em macrófagos do tipo 2, os quais são responsáveis pela via anti inflamatória, ativação de fibroblastos e regeneração/recuperação do tecido.
Macrofago tipo 1, ou M1 tem como características a Secreção de citocinas inflamatórias, eliminação de patógenos, fagocitose de detritos/células mortas, apresentação de antígenos ao sistema imunológico, brotamento vascular, além de aspectos negativos como a inflamação crônica e o dano tecidual por inflamação.
Macrofago tipo 2, ou M2 é reparacional, promove a secreção de citocinas anti-inflamatórias, estimula o crescimento/proliferação de células progenitoras, remodelação da matriz extracelular, angiogênese e a formação de colágeno ao redor das partículas invasoras
Portanto, apesar de serem os macrófagos que atuam após aplicação de ambos os materiais (PRP/PRF e bioestimuladores), são fenótipos distintos que atuam, em maior quantidade, em cada um deles. Isso já seria o bastante para colocá-los em categorias diferentes de estímulos; mas isso fica ainda mais evidente quando pensamos no potencial de ativação celular de ambos.
Diferentemente dos biostimuladores que existem no mercado (particulados), que possuem basicamente a função de induzir a formação de colágeno, a partir da reação de corpo estranho, os agregados plaquetários tem uma abrangência de estímulo celular muito maior.
Concluindo
Portanto existem duas formas de enxergarmos os resultados de nossos tratamentos estéticos; a visão clínica e a visão fisiológica.
Se observarmos os resultados clínicos exclusivamente é até possível entender a confusão que é feita em torno de os agregados plaquetários também serem um bioestimulador, mas olhando mais profundamente a fisiologia é possível concluir que o PRP promove uma reestruturação tecidual mais completa e muito mais intensa nos tecidos que isso acaba por se refletir externamente na pele, apesar de não ser um tratamento de pele.
Observamos que a ação dos fatores de crescimento, auxiliam na revascularização superficial da pele, aumenta a estimulação de fibroblastos para a produção de colágeno, elastina e todos os outros componentes da matriz extracelular, além de controlar a inflamação tecidual por suas características anti-inflamatórias.