Uso da Toxina Botulínica no Tratamento dos Sintomas do Bruxismo

Uso da Toxina Botulínica no Tratamento dos Sintomas do Bruxismo

Mesmo quem não atua na odontologia deve ter ouvido falar sobre um dos males modernos: o Bruxismo.

Não que ele tenha surgido agora. Sempre existiu, mas ganhou este nome especificamente em 1907, quando dois pesquisadores franceses (M.M. Marie e M. Pietkiewicz) publicaram um trabalho entitulado La bruxomanie.

O nome vem do grego βρυγμός (brugmos) é uma palavra grega que significa “ranger dos dentes”. A palavra é derivada do verbo βρύχω (brycho), daí vindo o outro nome para a patologia: briquismo, apesar de ser um termo em desuso… E digo mal moderno porque hoje vivemos em constante estresse, então cada vez mais este tema vem ganhando espaço… E o uso da toxina botulínica merece um destaque especial.

Então hoje aqui você encontra a transcrição do Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Instituto Velasco, como requisito para obtenção do título de Especialista em Harmonização Orofacial da Dr. Rodrigo Tadeu Coelho. Orientador: Professor Rogério Gonçalves Velasco.

Veja no final deste artigo como assistir à apresentação do trabalho, baixar o arquivo em PDF e ter acesso a todas imagens e referências utilizadas. Este conteúdo está em nossa plataforma de ensino gratuita a profissionais da saúde, a Instituto Velasco PLAY

1. INTRODUÇÃO

O bruxismo foi relatado há muito tempo na literatura, e para a resolução dessa patologia, muitas terapias foram propostas. Como uma das principais queixas do paciente bruxista, além dos desgastes dentários, que é um problema também estético, tem-se a sintomatologia causada pelo desequilíbrio neuromuscular. Para tal a literatura atual propõe técnicas de tratamento menos invasivas que proporcionem mais qualidade de vida ao paciente, e o uso da toxina botulínica para esse fim tem ganhado ênfase, em conjunto com o advento da harmonização orofacial, especialmente dentro da odontologia.

Como sabe-se o bruxismo tem causa desconhecida, mas seus efeitos se tornam visíveis e sintomáticos. A toxina botulínica, do tipo A foi relatada como opção viável para o tratamento das fortes dores que podem ser geradas por um grau de bruxismo severo. Sua capacidade de reduzir a ação muscular é a chave para que as dores relacionadas à excessiva contração muscular sejam controladas. Nesse sentido, sua aplicação é recomendada após um bom diagnóstico e por um profissional bem qualificado para tal.

Um dos pontos importantes, no que se refere a aplicação da toxina botulínica no controle de dores do bruxismo é a correta aplicação, lançar mão da técnica correta, e assim aplicar o produto com segurança e eficácia. Diversos artigos apresentam resultados positivos, mesmo que atrelados ao uso de placas interoclusais.

Devido à incerteza sobre as indicações da terapia, sua eficácia na gênese do bruxismo e sobre as consequências deste, sua indicação é relativa. Além disso, o alto custo do procedimento e a possibilidade de ocorrência de efeitos adversos, como fadiga muscular durante a mastigação, hematomas, dores de cabeça, xerostomia, limitação do sorriso, perda de volume sub zigomático, assimetria facial e flacidez, limitam o uso da terapia. Desse modo, este trabalho se propõe a revisar a literatura acerca da utilização da toxina botulínica, do tipo A, no controle do bruxismo, destacando os métodos e protocolos de aplicação, eficácia, efeito adversos, bem como suas vantagens e desvantagens.

2. OBJETIVO

O presente trabalho tem como objetivo apresentar uma revisão de literatura sobre a técnica de aplicação da toxina botulínica no tratamento e controle de pacientes com bruxismo. Busca-se apresentar as formas de uso, aplicação, as possíveis reações adversas oriundas de falhas no processo da aplicação, as melhores técnicas para evitar ou reduzir tais danos bem como todo o protocolo que envolve o controle do bruxismo pela técnica da toxina. O trabalho ainda visa detalhar a técnica para que a mesma seja dissipada no mercado odontológico, entre os profissionais, fazendo assim com que a rotina clínica tenha maior oferta de tratamentos para o bruxismo.

3. MATERIAIS E MÉTODOS

Foi realizado um levantamento de artigos nas principais bases de dados bibliográficos eletrônicos: Pubmed, Scielo, Medline, Bireme e Google Scholar. As palavras usadas na pesquisa foram: Tratamento do bruxismo, toxina botulínica no bruxismo, tratamento do bruxismo com toxina botulínica do tipo A, desenvolvimento do bruxismo, toxina botulínica, bruxismo do sono, tratamento para o bruxismo. Em inglês foram: Treatment of bruxism, botulinum toxin in bruxism, treatment of bruxism with botulinum toxin type A, development of bruxism, botulinum toxin, sleep bruxism, treatment for bruxism.

A estratégia para a seleção dos artigos foi buscar por palavras chave nas bases de dados selecionados, seguido da leitura dos temas e resumos dos artigos, de forma crítica. Trabalhos duplicados, aqueles que não apresentavam o texto na íntegra e conteúdo não relacionados aos objetivos deste trabalho ou desatualizados foram descartados. Em seguida os artigos escolhidos foram lidos na íntegra para localização de pontos chave para o desenvolvimento do trabalho.

Dos mais de 40 artigos consultados, foram selecionados 30 artigos como base para a presente revisão de literatura. A lista de artigos consultados foi composta por artigos em português e inglês de diversas revistas científicas, do Brasil e do mundo.

4. DESENVOLVIMENTO

4.1. BRUXISMO

A Disfunção Temporomandibular (DTM), é uma expressão usada para um conjunto de irregularidades articulares, que envolve articulações, músculos e estruturas que se associam. Essas estruturas envolvidas fazem parte do sistema estomatognático, o qual é composto por diferentes componentes. A etiologia da DTM é multifatorial, ou seja, há várias causas que promovem e contribuem com essa disfunção. O bruxismo, por sua vez, é considerado um fator perpetuante e iniciador para a DTM. Logo, pode contribuir para o desenvolvimento de um quadro de DTM junto com outros fatores associados.1

O bruxismo é um fenômeno que vem se tornando cada vez mais frequente dentro da clínica odontológica, e durante muito tempo foi considerado como uma manifestação oral normal, de implicações estritamente locais. Como dito, esse hábito parafuncional apresenta uma origem absolutamente multifatorial, expressando-se por desordens funcionais de severas implicações clínicas, que devem ser melhor compreendidas.2

Pingitore et. al.2, 1991, definiram o bruxismo como uma doenca involuntária, parafuncional que envolve o ranger, apertar ou esfregar os dentes. Foi considerado um habito potencialmente destrutivo que resulta em desgaste dentário, que promove aumento do risco de doenças periodontais, com recessão gengival, alem de dor muscular e articular.

Em 2003, Dekon et. al.4, conceituaram o bruxismo como uma manifestação do desequilíbrio biopsicológico que acomete o Sistema Estomatognático (SE), caracterizando-se pelo apertamento e/ou atrição dos dentes entre si, de forma cêntrica ou excêntrica, podendo ser de manifestada de formas diferentes, sendo noturna ou diurna. Já os seus efeitos destrutivos, podem manifestar-se em uma ou mais partes constituintes do SE, variando a severidade do dano conforme a resistência das estruturas atingidas, o tempo de existência, sua regularidade e o estado geral do portador.

Rodrigues et. al.3, 2006 considerou o bruxismo como um contato estático ou dinâmico dos dentes em momentos outros que não são aqueles que ocorrem durante as funções normais da mastigação ou deglutição e ainda afirma que está sempre ligada a um estado emocional alterado, considerando assim o estresse como um fator desencadeador do problema.5

Em 2010, Gonçalves et. al.2, considerou o bruxismo como uma atividade parafuncional do sistema mastigatório que inclui o habito de apertar e ranger os dentes (bruxismo cêntrico e excêntrico, respectivamente). Durante o sono, apresenta-se em contrações musculares rítmicas com uma força maior do que a natural, provocando atrito e ruídos fortes ao ranger os dentes e que não podem ser reproduzidos nos períodos de consciência.6

Lobbezzo et al.2, 2018, descreveu o bruxismo como uma atividade muscular mastigatória que pode ocorrer durante diferentes momentos do dia, onde apresenta características de apertar, encostar, bater, ranger os dentes ou apenas manter a mandíbula na mesma posição. Pode ser considerado uma manutenção vigorosa de uma posição mandibular e uma movimentação da mandíbula com força para frente, para lateral ou para ambas. Isso denota que não depende de certas características da oclusão dentária e articulação, o que vai ao encontro da literatura atual, na qual o bruxismo tem ação regulada pelo Sistema Nervoso Central.7

Mais recentemente, Carvalho et. al.7, 2020, em seu artigo mencionou o bruxismo como sendo o hábito parafuncional de origem multifatorial, que causa desordens funcionais de severas implicações clínicas. Nesse artigo ainda acrescentou que essa parafunção pode ter relação com fatores emocionais, com a ansiedade e relacionada também com características comportamentais do próprio indivíduo.8

O termo bruxismo vem do grego “bruchein” e significa apertamento, fricção ou atrito dos dentes, foi nomeado pela primeira vez em 1907, então conhecido por “Bruxomania”. A literatura traz hoje uma classificação considerando a sua forma de manifestação. Apresentam-se então o bruxismo cêntrico e excêntrico, também chamados de bruxismo diurno e do sono, respectivamente.8,9

O bruxismo cêntrico, de vigília, ou ainda, diurno, se caracterizado pela atividade semi-voluntária da mandíbula, que consiste em apertar os dentes enquanto o indivíduo se encontra acordado, consciente, onde geralmente não ocorre o ranger de dentes ou apertamento involuntário, e está relacionado a um tique ou hábito vicioso, como por exemplo, o contato entre o dente e um corpo estranho, onde podemos mencionar o ato de morder lápis, caneta, cachimbo, ou hábitos que conduzam a mordida à membrana e mucosa, o ato de morder o lábio, língua, bochechas e chupar dedos entre outros.9

Já o bruxismo excêntrico, ou ainda bruxismo do sono é uma atividade inconsciente de ranger ou apertamento e deslizamento dos dentes nas posições protrusivas e latero-protrusivas, com produção de sons, enquanto o indivíduo encontra-se dormindo, que acontece de maneira inconsciente, um movimento involuntário. O bruxismo do sono, também é chamado de bruxismo noturno, mas o termo mais apropriado é bruxismo do sono, pois o ranger de dentes pode também se desenvolver durante o sono diurno.9

4.1.1. DIAGNÓSTICO

Para o diagnóstico do bruxismo, o profissional pode lançar mão de duas técnicas, a instrumental e não instrumental, que podem revelar tanto o bruxismo cêntrico quanto o excêntrico.

A técnica de diagnóstico não instrumental está diretamente ligada ao autorrelato, por meio da historia e questionários que o proprio paciente apresentou, bem como da avaliação de seus sinais clínicos. Essa abordagem pode ser considerada tanto para o bruxismo cêntrico quanto para o excentrico. Para o bruxismo de vigilia, cêntrico, é realizado uma conscientização do paciente sobre o ato de apertar, ranger, morder, encostar, bater os dentes ou apenas manter a mandíbula na mesma posição.7

Para que a técnica seja efetiva, é solicitado ao paciente que monitorize e anote seu comportamento durante um longo periodo, de modo que seja possivel criar um relatório da frequencia do apertamento. Desse modo a resposta do paciente será mais segura e proxima da verdade.7

A técnica instrumental pode ser aplicada para o diagnóstico do bruxismo do sono, tambem conhecido de bruxismo excentrico, porem, alem do autorrelato, também é possivel utilizar o relato de terceiros, como cônjuges e/ou filhos que possam dividir o mesmo ambiente noturno. Da mesma forma, aqui se pede a observação por um periodo menor, de duas semanas, para que se possa desenvolver um relatorio de frequencia do apertamento. Aqui, como se considera relato de terceiros, a probabilidade do autorrelato ser verídico é bem maior.7,10

Para a avaliação do bruxismo diurno, com o uso da técnica instrumental, pode ser utilizada uma medida fisiológica com base na eletromiografia (EMG), a qual permite a quantificação do número de episódios parafuncionais durante um período de tempo. No que se refere ao bruxismo do sono, o diagnóstico definitivo pode ser feito por meio da polissonografia (PSG), uma vez que por meio deste exame é possível ter uma avaliação precisa dos movimentos mandibulares. O ponto negativo desse tipo de técnica é o custo e habituação do paciente ao local do exame.7,10

4.1.2. FATORES DE RISCO

Consumo de estimulantes, como por exemplo, tabaco, álcool e café, estresse emocional, além da síndrome da apneia obstrutiva do sono e doenças relacionadas à ansiedade são conhecidos há mais tempo como fatores de risco para o bruxismo. Outros fatores recentemente estudados e associados ao bruxismo são a depressão, a doença do refluxo gastresofágico, doenças respiratórias e ainda epilepsia do lobo frontal noturno. Além disso, instabilidade emocional e traços de personalidade psicótica também foram identificados como uma maior chance de bruxismo. Alterações oclusais não foram identificadas como fatores de risco para o bruxismo, por outro lado, há um aumento de estudos na literatura que indicam a presença da variável genética e hereditariedade como fator de risco para o bruxismo.7,11

4.1.3. TIPOS DE TRATAMENTO

Em se tratando do tratamento para o bruxismo, desde muito tempo a literatura propõe a utilização de placas estabilizadoras ou interoclusais que serviriam para proteger os dentes e demais componentes do sistema mastigatório durante as atividades parafuncionais. Essas placas interoclusais promoveriam uma significante redução da atividade noturna do masseter em pacientes bruxomanos.2

No entanto, observa-se na clínica odontológica que é normal que a placa sofra desgastes, pelo uso constante, mas o seu reparo seria mais simples e muito menos comprometedor do que o das estruturas dentárias quando desprotegidas e afetadas. É necessário ainda ressaltar que seria comum surgirem novas manifestações de bruxismo após o final de períodos longos de tratamento, com placa.2

Seradairian et. al.2, 2001 afirmou que a conduta do Cirurgião-dentista deveria estar voltada para a identificação dos sinais e/ou sintomas mais significativos e aos encaminhamentos mais evidentes, com a finalidade de identificar a causa, e nunca, pura e simplesmente, tratar o sintoma.2

Puppin, 2021, em seu artigo sobre bruxismo na época da pandemia, sugeriu o tratamento do bruxismo sendo feito por meio de uma avaliação geral, com o uso de medicamentos, como antidepressivos, analgésicos e anti-inflamatórios. É recomendado o uso diário de uma placa de acrílico confeccionada com base no molde da arcada dentária do paciente. Essa placa tem a função de restringir os movimentos dos músculos mastigatórios, reduzindo o atrito entre os dentes. O tratamento mostra alternativas, mas é impossível garantir a cura total. A acupuntura e a fisioterapia podem ajudar no atendimento do paciente.12

Puppin, 2021, afirma ainda que uma das técnicas para a redução dos sintomas e controle do bruxismo é através da aplicação da toxina botulínica, comumente conhecido por Botox, técnica essa que tem sido usada por profissionais nos últimos anos de forma mais frequente, principalmente com o advento da harmonização orofacial. Por essa razão se faz necessário a compreensão da toxina para bem indica- la e aplicá-la, sendo esse o enfoque do presente trabalho.12

4.2. TOXINA BOTULÍNICA

A toxina botulínica, popularmente chamada por Botox, marca que a popularizou, foi proposta como eficaz no combate aos efeitos do bruxismo. Suas propriedades a torna capaz de minimizar a ação muscular, reduzindo sua contração e promovendo mais conforto ao paciente. Por essa razão, se faz necessário conhecer todas suas características estruturais e como ocorre essa interação com o tecido biológico para que melhor possa ser indicado e aplicado.13

Uma das mais fortes e potentes toxinas bacterianas que se tem conhecimento, a toxina botulínica (TxB) se origina da fermentação da bactéria anaeróbica gram- positiva, denominada Clostridium botulinum, em forma de esporo encontrada comumente em diversas partes do mundo, seja em ambientes marinhos ou solo.13

A toxina botulínica apresenta oito sorotipos que se distinguem imunologicamente. Dos oito sorotipos, sete são identificados como neurotoxinas: A, B, C1, D, E, F e G. Por outro lado existe o sorotipo C2, que também é produzido pelo C. botulinum, porém não é considerado neurotoxina. Independente do sorotipo, todos apresentam a característica de inibição da liberação de acetilcolina na terminação nervosa. Para o desenvolvimento e estudos acerca da toxina botulínica, o sorotipo A é o mais amplamente usado, principalmente para seu desenvolvimento terapêutico.13

A toxina botulínica, como neurotoxina se desenvolve como uma cadeia peptídica simples de 150 Quilodaltons (kDa). Ela é composta por 3 cadeias de 50 kDa cada, são: L, Hc e Hn. Estas porções se conectam entre si através de pontes protease- sensíveis e assim vão se diferenciando e desenvolvendo suas funções dentro do processo de intoxicação celular e por consequência no seu bloqueio funcional.14

A cadeia Hn é responsável pela internalização e translocação da membrana da célula nervosa. A cadeia peptídica Hc se responsabiliza pela ligação com o neurônio motor. Já a cadeia L é longa, com mais de 400 segmentos peptídicos. As porções vão se unindo e só se torna ativa quando há uma clivagem proteolítica seletiva da cadeia. Esse processo leva a formação de dois braços ativos, um pesado e outro leve. As cadeias Hn e Hc, se juntam no processo descrito e formam o braço pesado, com 100 kDa (Hn + Hc), e a cadeia L é tida como o braço leve, com 50 kDa. Esses dois braços são mantidos ligados por uma ponte dissulfídica. Quando ocorre esse processo de clivagem e há a formação dos dois braços, ocorre a viabilização da neuro intoxicação celular, mesmo que a aplicação da toxina seja feita de forma extracelular.14,15

Sua toxicidade é causada pela atividade catalítica inseparável da cadeia L, e da ligação dissulfídrica, que é a responsável pela penetração na célula bem como por sua intoxicação. Há também a cadeia H, que se conecta às proteínas existentes na membrana da sináptica, tal processo faz com que a cadeia L penetre a célula, e então ocorre a clivagem de uma proteína específica num local determinado. No entanto, se houver um rompimento na ligação dissulfídrica antes da toxina ser internalizada, não será possível que a membrana sináptica do terminal do axônio seja penetrada. Essa situação vai ocasionar a perda da sua toxicidade.13,14

A toxina botulínica precisa ser injetada por via intramuscular e se liga aos receptores terminais dos nervos motores, causando um bloqueio da liberação do neurotransmissor acetilcolina no terminal pré-sináptico por meio da inativação das proteínas de fusão, o que impede que esse neurotransmissor seja liberado na fenda sináptica, e assim não ocorrer a despolarização do terminal pós-sináptico, fazendo a musculatura não contrair por denervação química temporária e inibição competitiva de forma dose-dependente.14

Alshadwi et. al.2, 2014, afirma que após 6 horas da aplicação muscular, o mesmo começa a sofrer paralisia, porém seus efeitos clínicos são observados dentro de 24 a 72 horas. É relevante destacar, que preparações diferentes têm pesos diferentes, sendo este um fator determinante na difusão desta toxina e na intensidade da sua toxicidade. No entanto, a afinidade desta toxina vária com o tipo de complexo neurotóxico exposto, estando este associado às diferentes quantidades de proteína não tóxica, deste modo, destaca-se a Toxina Botulínica A com uma maior afinidade.16

4.3. TRATAMENTO DO BRUXISMO COM A TOXINA BOTULÍNICA

Durante os anos houve uma mudança grande nas opiniões consensuais sobre a administração e abordagem para tratamento do bruxismo. Anteriormente, havia uma tendência a considerar procedimentos odontológicos invasivos, visto que o fator oclusal era associado como possível causa do bruxismo. Considerando que agora é dada maior ênfase nos fatores psicossociais, contudo, quando é necessária intervenção dentária, é mantido os métodos mais conservadores possíveis.17

Diversas alternativas de tratamentos para o bruxismo, têm sido propostas atualmente na literatura. Entre elas, algumas medidas de higiene do sono combinadas com métodos de relaxamento, terapia com placas oclusais, terapia medicamentosa e estimulação elétrica dependente. Os tratamentos conservadores, como fisioterapia, intervenção psicossocial e placas, que não são invasivos, indolores e econômicos, exigem boa adesão do paciente para serem eficazes. O tratamento medicamentoso é mais eficaz e requer menos adesão do que os tratamentos conservadores. No entanto, requer um nível aceitável de saúde e às vezes é restrito porque o medicamento pode ser contraindicado.18

Shim et al.5, 2014, afirmou que a placa é considerada a primeira escolha para proteção de dentes e próteses contra danos. Embora várias modalidades de tratamento, como abordagens comportamentais e manejo farmacológico, tenham sido testadas para o bruxismo, não houveram estratégias eficazes de tratamento para controlar as intensas contrações dos músculos mastigatórios durante o sono em pacientes com bruxismo do sono.19

Muitas das terapias usadas para o tratamento do bruxismo é uma combinação de placas oclusais, terapias comportamentais e as drogas atuantes no sistema nervoso central. Mesmo assim, não há evidências o bastante do controle baseado em eficácia, com exceção do uso das placas oclusais, para definir um padrão no controle do bruxismo. O objetivo comum da terapia para bruxismo é o relaxamento muscular, e várias opções foram propostas para alcançar esta meta, inclusive a aplicação de toxina botulínica, alvo do presente estudo.20

O uso da toxina botulínica é recomendado em algumas circunstancias, como nas situações onde se apresentam a disfunção mandibular de origem neurológica e para controle de bruxismo quando as medidas convencionais não forem bem- sucedidas. A toxina botulínica age no controle do bruxismo reduzindo a atividade muscular periférica, embora a mesma não gere modificações do estimulo proveniente do sistema nervoso central.21

Como o bruxismo é resultado de uma atividade parafuncional, pode ocorrer tensão muscular excessiva e prolongada nos músculos mastigatórios, nos músculos sub-occipitais e na coluna cervical, além de uma sobrecarga da ATM. Nestes casos, as injeções de toxina botulínica são indicadas para paralisar o músculo diminuindo a frequência e na intensidade das parafunções. Este tipo de tratamento vem ganhando espaço e está entre as terapias disponíveis para o controle das dores orofaciais decorrentes das disfunções temporomandibular e das cefaleias, que está relacionada com a aplicação intramuscular de toxina botulínica.21

Em se tratando da aplicação, é aconselhável, e sobre tudo favorável, que a toxina botulínica seja injetada de forma a deixar o frasco no sentido horizontal ou vertical, tomando cuidado quando for injetar a solução salina (1ml de soro fisiológico a 0.9%) em uma seringa de 3ml com agulha 22G x 1/4 para que seja diluído lentamente, para evitar inativação parcial da toxina, que gera a perda de propriedades.13

Alguns dispositivos podem ser utilizados, no processo de aplicação com o intuito de amenizar e reduzir a dor e o desconforto da penetração da agulha na derme. Utilizar uma gaze ou algodão na outra mão, para que possamos pressionar ligeiramente qualquer ponto de sangramento e minimizar o surgimento de áreas de equimoses e hematomas é uma dessas manobras. Para um maior conforto após a aplicação, o paciente deve usar uma compressa fria ou gelo na área que foi aplicada por 15 minutos com intervalos de 2 horas. Assim irá reduzir o desconforto, inchaço ou hematomas. Fazer o uso de filtro solar e evitando massagear a área tratada, como também não deitar nem baixar a cabeça por 4 horas após o procedimento.13

Colhado et. al.2, 2009, afirmou que a aplicação local intramuscular da diluição da toxina botulínica é seguida de difusão rápida no espaço intersticial, depositando- se especificamente nas terminações nervosas motoras dos músculos esqueléticos, o que leva a diminuição da contração muscular e, consequentemente, a diminuição da dor.13

A toxina botulínica usada na terapia para o bruxismo é considerada como uma técnica minimamente invasiva, que apresenta algumas vantagens significativas em relação a patologia, como a facilidade de aplicação, o tempo relativamente longo de duração do efeito e o esperado alivio preciso no local da dor, além da diminuição do uso de medicamento adjuntos para o controle sintomático. A toxina botulínica pode ser também injetada nos pontos de gatilho ao invés de lançar mão de substâncias anestésicas.22,23

Quando injetada, a toxina necessita de 24 a 72 horas para se fazer ativa, logo a paralisação muscular inicia-se entre 2 a 5 dias após a injeção, com um pico de ação de aproximadamente 10 dias, e o tempo de duração varia de 2 a 3 meses, tempo esse necessário para a sua progressiva e completa recuperação, que ocorre em um período de até 6 meses, mais ou menos, dependendo da condição e das particularidades de cada paciente. Por esse motivo, um intervalo mínimo de 3 meses entre as aplicações é recomendado.22,23

O diagnóstico precisa sempre ser baseado na história clínica do paciente, nas características da dor e nos testes de palpação dos músculos mastigatórios, que devem reproduzir a queixa do paciente. Para a palpação manual, recomenda-se a aplicação de uma pressão digital firme de 1kg nos músculos extraorais e 0,5 kg nos músculos intraorais.24

Os pontos para aplicação da toxina botulínica no músculo temporal são determinados através de uma palpação, que é feita nas regiões correspondentes aos nódulos dolorosos. Nesse musculo a aplicação é realizada com agulha 30G – 0,30 x 4 mm de comprimento. Já a aplicação no músculo masseter pode variar de 2 a 5 pontos, dependendo da intensidade da contração muscular e do tamanho do músculo. Para a correta aplicação, se faz necessário traçar uma linha reta do trágus a asa do nariz, que é a posição do provável ducto parotídeo. Após a determinação dessa linha, pede-se para o paciente ocluir os dentes forçando uns contra os outros, para que possamos sentir com palpação digital a contração do músculo e delimitar com linhas verticais o limite posterior e o limite anterior do masseter.25

No instante em que esta delimitação é realizada, pede-se para o paciente ocluir os dentes novamente para que seja sentida a região de maior contração muscular. Assim que for possível sentir a área de maior contração, marcam-se os pontos de aplicação. A aplicação do masseter é realizada com agulha de insulina, com comprimento de 13mm.25

No temporal, recomenda-se que o paciente oclua e force os dentes da mesma forma, para que dessa forma seja possível sentir com palpação a região de contração do músculo. A aplicação nesse musculo é realizada com agulha 30G – 0,30 x 4 mm de comprimento. Desse modo, marcam-se os pontos na área que corresponde ao local de maior contração muscular e conferindo se esses pontos correspondem aos nódulos de dor do paciente.25

Nos casos onde o paciente apresentar mais nódulos de dor ou maior contração muscular no masseter, comparado ao temporal, opta-se pelo uso de 3 pontos de 5U em cada masseter e 2 pontos de 5U em cada temporal. Se o paciente apresentar mais nódulos de dor ou maior contração muscular no temporal comparado ao masseter, fazemos 3 pontos de 5U em cada temporal e 2 pontos de 5U em cada masseter, usando um total de 50U.25

Em casos onde o padrão de contração muscular for observado mais severa, o profissional pode lançar mão de usar mais unidades e assim partir para protocolos de aplicação de 70U no total e, em casos ainda mais raros, quando paciente apresentar massa muscular exagerada ou uma força muscular intensa, pode-se optar pelo protocolo de 100U no total. Esses protocolos são totalmente dependentes de uma boa avaliação previa.25

Lee et al., 2010, buscou avaliar o efeito da injeção de toxina botulínica do tipo A no músculo masseter em pacientes de bruxismo noturno, e para isso utilizou um aparelho de eletromiografia (EMG) portátil, sobre as diferenças da atividade do bruxismo dos músculos masseter e temporal. A pesquisa contou com doze indivíduos, onde, desses doze, em seis foi aplicada a toxina botulínica em ambos os masseteres, e seis com solução salina. Nos participantes do grupo experimental foi injetado 80 UI de toxina botulínica do tipo A diluídos em 0,8 ml de solução salina. Já o grupo controle recebeu 0,8 ml de solução salina. A toxina botulínica ou salina foi injetada nos músculos masseter de cada sujeito em três locais. O sitio da primeira aplicação foi a parte inferior proeminente do músculo masseter observado quando o sujeito foi convidado a apertar, e os outros dois locais foram 5 mm a partir do primeiro ponto anterior e posterior.26

Os pesquisadores solicitaram aos pacientes que mordessem o mais forte que conseguissem durante três segundos por três vezes para fazer a média da atividade eletromiográfica. Houve medições da atividade eletromiográfica noturna do masseter em ambiente natural do sono do indivíduo e músculos temporais antes da injeção, e 4, 8 e 12 semanas após a injeção e, em seguida, usado para calcular as variações dos eventos de bruxismo. Os sintomas do bruxismo foram investigados utilizando questionários. Como resultado obteve uma diminuição dos eventos de bruxismo no músculo masseter no grupo de injeção de toxina botulínica. No músculo temporal, os eventos de bruxismo não diferiram entre os grupos ou entre vezes. O sintoma subjetivo do bruxismo diminuiu em ambos os grupos após a injeção.26

Mais recentemente, Pihut et al., 2016, em seu estudo se avaliou a eficácia de injeções intramuscular da toxina botulínica para o tratamento da dor no músculo masseter em pacientes com disfunção da articulação temporomandibular e dor de cabeça do tipo tensional. Nesse estudo prospectivo participaram 42 indivíduos de ambos os sexos com idades compreendidas entre 19 – 48 anos diagnosticado com dor no músculo masseter, conforme descrito a cima. Os pacientes foram tratados por injeção intramuscular de 21 U de toxina botulínica na área da superfície de maior secção transversal de ambas as partes do masseter. A intensidade da dor foi avaliada utilizando escala visual analógica e a escala de classificação numérica verbal uma semana antes do tratamento e 24 semanas após o tratamento. Os dados obtidos foram analisados utilizando o teste de Wilcoxon. Os resultados obtidos por esse estudo mostraram uma redução no número de episódios de dor, incluindo uma diminuição da dor na região temporal, bilateralmente, uma redução da ingestão de drogas analgésicas.27

4.4. CONTRAINDICAÇÃO E EFEITOS ADVERSOS

A toxina botulínica não deve ser indicada para pacientes que sofrem de doenças neuromusculares, como: distúrbios de transmissão neuromuscular, doença autoimune adquirida, entre outros. Estas doenças diminuem a liberação de acetilcolina na fenda pré-sináptica da placa neural e por essa razão deve-se evitar nesses casos. Além disso, recomenda-se que mulheres grávidas, ou no período de lactação, pacientes que fazem uso de amino glicosídeos, ou ainda que possuem reações alérgicas à toxina botulínica também não podem utilizar a toxina.28

Balanta-Melo et. al., 2019, relataram que evidencias pré-clínicas mostraram que a atrofia muscular mastigatória induzida pela toxina prejudica o desenvolvimento ósseo craniofacial, reduzindo o tamanho de regiões específicas da mandíbula como côndilo mandibular e alterando sua morfologia, quando comparado com indivíduos normalmente desenvolvidos. No entanto, os efeitos adversos dessa intervenção em indivíduos adultos permanecem pouco compreendidos.29

Quando associado a toxina com pacientes que apresentam alguma desordem articular, pode levar a perda da motricidade localizada. Essa interrupção dos movimentos cria risco de densidade mineral óssea reduzida ou desuso da osteopenia, que por sua vez é a redução de massa óssea localizada.29

Os pesquisadores colocam ainda que a complicação principal percebida após a injeção com a toxina botulínica é uma fraqueza muscular e dor, observado em 30% dos tratamentos, dentro de uma semana, além da dor, edema, eritema, equimose no local da injeção, dor de cabeça, hiperestesia de curto prazo, parestesia. O autor também coloca que essas intercorrências podem ser evitadas, posicionando a agulha corretamente, injetando lentamente a solução, deixando compressas de gelo na área afetada e massageando suavemente a área, evitando esfregar. Além disso, a classe de antibióticos amino glicosídeos ou drogas de bloqueio neuromuscular pode aumentar o efeito da toxina botulínica.29

5. DISCUSSÃO

Kaya et. al., 2021, em seu estudo, comparou a utilização da toxina botulínica com tratamentos conservadores, como as placas oclusais, e os resultados mostraram que o uso da toxina foi tão eficaz quanto as placas oclusais para redução da dor secundária ao bruxismo. No estudo, foi observado que a toxina além de obter bons resultados no controle do bruxismo para a dor secundária, também obteve diferenças estatísticas significativas entre os dois modelos de terapia, favorecendo o uso da toxina botulínica.30

A questão financeira da terapia do bruxismo com a toxina botulínica é uma questão a ser considerada, pois seu efeito é transitório, com um tempo médio de 2 a 3 meses de efeito, e tendo em vista o possível retorno dos sintomas, novas aplicações deverão ser consideradas, e o produto apresenta valor de mercado elevado, não sendo tão abrangente a um público menos favorecido. Nesse quesito, o tratamento com as placas, tido como conservador, leva grande vantagem.

As injeções de BTX em uma dose inferior a 100 UI nos músculos masseter ou temporal em pacientes saudáveis são seguras, sendo seu uso viável na prática clínica usual. No entanto, o BTX é uma opção de tratamento cara. O produto em si tem alto custo e o efeito máximo é geralmente alcançado aproximadamente em duas semanas, com eficácia de três a quatro meses, assim, tratamentos repetidos são necessários nesses intervalos, resultando em um procedimento recorrente e, portanto, com custos cumulativos.

Dadas as evidências atuais, a toxina botulínica certamente pode ser considerada, mas devido a implicações financeiras e possíveis efeitos colaterais, mesmo que raros, parece apropriado que opções conservadoras, como a placa oclusal, sejam tidas como primeira opção. A toxina poderá ser considerada como técnica complementar ao tratamento conservador.

6. CONCLUSÃO

Para combater o bruxismo, o tratamento conservador, com placas interoclusais, tem sido proposto desde muito tempo. É consagrado na literatura. É eficaz. É confortável e de facil confecção. Mesmo com todos os seus pontos positivos, pensar em outras abordagens para seu tratamento tem sua necessidade, afinal, a pluradade de público, nas diversas realidades, requer novas opções e cuidados. A toxina botulínica, mais recentemente, com o advento da harmonização orofacial na odontologia, ganhou espaço como a nova técnica para combater os sintomas dessa desordem neuromuscular.

Os princípios básicos da aplicação da toxina botulínica, os mesmos ja conhecidos em toda a harmonização orofacial, aqui são mantidos, se diferenciando apenas na quantidade de unidades aplicadas a cada ponto, e os locais de aplicação, propriamente dita. De fato, os músculos envolvidos, como o masseter e o temporal, necessitam de maior volume de aplicação do que as aplicações comuns. A inibição da contração muscular, como resultado da ação da toxina, traz a diminuição da sintomatologia ocasionada pelo excesso dessa contração miogênica. Seus resultados podem ser observados após alguns dias da aplicação e permanecem por alguns meses, sendo necessário novas aplicações caso os sintomas regridam.

Para que o profissional lance mão dessa técnica, é necessário ter grande conhecimento anatômico, bem como das propriedades da toxina e ter a ciência que ela não vai ser definitiva. Pode ser considerada uma técnica complementar à técnica ja consagrada, que é a confecção de placas interoclusais. Seu alto custo e tempo de ação limitado a tornam uma técnica mais voltada a um público com maiores condições financeiras, logo não se destina à todos os publicos.

O tratamento do bruxismo com a toxina botulínica é direcionado a um público alvo específico, que em geral é o mesmo que já faz uso de um ou vários benefícios ofertados pela harmonização orofacial, não apresenta efeitos adversos significativos e existem poucas contraindicações quanto a seu uso, por fim, considerado seguro, porém não deixa de ser uma técnica completentar de tratamento do bruxismo.



Publicado por:
Mestre em Medicina/Cirurgia de Cabeça e Pescoço, Especialista em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial, Prótese Dentária, Prótese Bucomaxilofacial e em Harmonização Orofacial. Coordenador de cursos em Implantodontia e Harmonização Orofacial do Instituto Velasco, Diretor do Hospital da Face. Trabalha desde 2011 em harmonização facial.