Uma marca toxina botulínica que você não deve usar NUNCA!

Uma marca toxina botulínica que você não deve usar NUNCA!

There are three kinds of men. The ones that learn by readin’. The few who learn by observation.
The rest of them have to pee on the electric fence for themselves.” ― Will Rogers

Taí uma frase que gosto muito do Will Rogers, comediante americano.

Não entendeu?

Eu traduzo: “Existem três tipos de homens. Os que aprendem lendo. Os poucos os que aprendem por observação. O resto tem que fazer xixi na cerca elétrica por si mesmos.”  

E depois de quase 22 anos lidando com alunos em vários níveis de conhecimento, posso dizer com muita certeza: a grande parte dos alunos e profissionais prefere fazer xixi na cerca elétrica.

Onde quero chegar? Você vai entender daqui a pouco. Antes, algumas informações complementares:

Esta semana “fui colocado” em um grupo de whatsapp para receber ofertas de produtos de Harmonização. Sei lá quem fez isso, mas fiquei uns 2 dias lá, só pra ver o que iria vir. Vai que tinha coisa boa…

Primeira informação que recebi foi uma promoção incrível de Israderm por um valor muito abaixo da média de toxinas no mercado. Muito abaixo. Mas se você nunca ouviu falar dessa marca, não estranhe. É uma toxina botulínica de origem obscura cuja venda no Brasil, aos profissionais de Harmonização Orofacial (e facial) é, infelizmente, muito difundida.

Digo bastante estranha porque o nome reflete a uma empresa em Israel: ISRAderm. Dai olhamos o frasquinho tá lá: Made in Israel por uma tal de Israderm Biotechnologine (não seria Biotechnologies? ou meu inglês está enferrujado mesmo?).

Israderm
Eu li errado ou fala mesmo que é feita em Israel e está na etiqueta escrito Biotechnologies errado? Outra coisa, Israderm by Israderm Biotechnologines? Parece coisa de maquiagem: Batom vermelho by Blogueirinha XXX. Mas aqui posso só estar sendo pentelho…

 

Pois então…

A Internet

Numa procura rápida pela internet é impossível achar a empresa que fabrica esta toxina botulínica (Israderm Biotechnologies). Zero noticías. Mas foi possível perceber duas coisas interessantes:

1.O site

Uma com o suposto site do medicamento, mas não do fabricante. Nenhuma referencia que permita localizar informações melhores sobre a toxina, forma de uso, indicações. Zero.

O site só oferece informações muito vagas,  nada que coloque o produto em um mínimo patamar de segurança. Tem um campo para colocar um código que valida como sendo um frasco original de Israderm. Mas o que pode ser considerado original em algo que não existe fora das midias sociais do Brasil e do vendedor do Paraguai (já falo sobre isso).

Mas não apresenta nenhuma prova, referencia, numero, sei lá, que permita a devida validação em qualquer agencia internacional: FDA, CE, KFDA, e muito menos Anvisa.

Simplesmente é como se o produto não existisse oficialmente.

E existe um site “brasileiro”. Israderm.COM.BR. Exatamente igual ao site “internacional”. Não consegui identificar o proprietário do site internacional, é uma informação oculta, mas o .com.br dá pra identificar.

Este, tem como proprietário uma pessoa que, pela minha pesquisa no Jusbrasil, mora Justamente na região de divisa com Paraguai, em Foz do Iguaçu. 

Dá pra você mesmo conferir aqui (estou escrevendo este texto em 8 de dezembro/21, e hoje mesmo conferi, pode ser que mude):

  1. Acesse este site: https://www.domain.com/whois/whois/
  2. Coloque o endereço israderm.com.br
  3. Você descobre o dono do site.

Com o nome do dono, você pode verificar no Jusbrasil:

  1. Acesse o site: https://www.jusbrasil.com.br/home
  2. Coloque o nome no campo superior
  3. Você consegue identificar a cidade pessoa tem endereço e os processos que estão em andamento.

Todas estas ferramentas são públicas, então não estou inventando nada, acesse você aí em cima e verifique com seus próprios olhos se ainda duvida do que coloco aqui.

O ponto é: sim, o medicamento está a venda no Brasil, mas de forma irregular, sem ANVISA. Como vamos falar daqui a pouco.

2. O vendedor

Outra referencia é que o medicamento é vendido “oficialmente” somente por uma empresa do Paraguai chamada Novamed, uma grande casa cirúrgica do Paraguai que representa desde equipamentos odontológicos até medicamentos, incluído aí várias marcas de toxina (Dysport, Botox, etc).

Todo o resto são de postagens em redes fossiais, em marketplaces como MercadoLivre, Enjoei, até me lojas de suplementos esportivos.

E é isso, esta é a presença digital deste medicamento, mas porque ela é tão falada e vira e mexe aparece aluno perguntando sobre isso? Entramos em outro capítulo:

O Preço

Realmente toxina botulínica é um medicamento caro. Comprando em lotes grandes, encontramos valores sempre superiores aos R$ 600 a cada 100 unidades, em média, e variando conforme a marca. Tem mais caras, mas não tem mais baratas do que isso.

Daí chega uma pessoa e te oferece a um valor bem abaixo disso. De um medicamento milagroso, a “melhor toxina do mundo” que custa pouco mais da metade do valor e é muuuuito melhor!

Aconteceu comigo uma primeira vez. Sensacional, né? Imagina só que beleza!

Depois de verificar tudo que coloquei acima, nunca usaria um produto assim. Qual segurança teria? Ainda mais depois do que vou mostrar daqui a pouco.

Mas eu fui um pouquinho mais além. Fui buscar informações através do vendedor de São Paulo que se referia como um representante da marca ou da empresa responsável aqui no Brasil. Fiz uma troca de mensagens buscando exatamente entender se o medicamento já havia sido aprovado pela Anvisa sempre com o argumento de que iria comprar 40 a 50 frascos mensais.

Não custava nada, afinal pode acontecer das minhas informações estarem desatualizadas. Mas o que encontro na verdade são tentativas de validar o medicamento como se fosse alguma coisa oficial e regulamentada.

Gostaria de compartilhar alguns prints da conversa com o tal vendedora,  e vocês poderão perceber que existe uma tentativa de convencer que o uso é seguro e regulamentado. Claro que fui mantendo a negociação, para conseguir extrair mais informações sobre isso:

israderm
Aqui foi a primeira abordagem. A referencia é um profissional/representante de Maringá que tem uma rede de distribuidores. E na lata pergunto se já está a venda no Brasil.

 

israderm
Fui bem direto: Está sendo vendido? E foi bem vago o que recebi. O registro já foi pedido, mas quero destacar: Temos atendido quem nos procura. Ou seja, se chegar lá e pedir para comprar, eles vendem.

 

A distribuidora afirmar simplesmente que o processo de registro está em andamento não é uma validação real de que o medicamento pode ser comercializado. E “atender quem nos procura” não deixa a venda legal (juridicamente falando), nem para quem vende, nem para quem compra.

Quem vende desta forma pode encarar de 10 a 15 anos de prisão! E quem compra também, já que não tem diferença em nossa legislação neste aspecto. É muito rolo….

E mais. e o que me deixou mais absurdado:

israderm
O Diretor da empresa disse que tudo bem, então tá tudo bem, né? #SQN

 

 A pessoa que “importa” vende de forma irregular, e ainda fala que tudo bem usar, “TRANQUILO”, só não pode publicar com o frasco em mãos…

Lembro que há uns 3 anos atrás recebi a recomendação de um destes vendedores que pra usar “sem problemas” era só ter um frasco de alguma marca com Anvisa e deixa esse frasco no campo de visão do paciente, e já trazer as seringas prontas com o Israderm. Assim o paciente “ia achar que era uma marca conhecida”.

É ridículo ter essas recomendações. E absolutamente ILEGAIS e ANTIÉTICAS.

E já tive noticias de profissionais que colocam o material reconstituído do Israderm em algum frasco de outra marca, assim até aspira o medicamento na frente do paciente e este acredita que está usando uma marca conhecida! Só de pensar nisso imagino realmente me dá muita tristeza de dividir a profissão com um “ser” destes…

Mas não para por aí… Além de tudo, este tipo de produto chega ao Brasil de uma forma completamente e irregular e agora não me refiro nenhum registro da Anvisa e sim ao próprio transporte do medicamento.

Todo medicamento de toxina botulínica, com exceção do Xeomin, precisa ser guardado em um ambiente sem variações de temperatura, mantido entre 3ºC e 8ºC.

Mas Pela Ponte da Amizade, mocozados em um travesseiro, penso que não é a melhor opção. E toda hora tem pessoas sendo presas por trazer estes produtos irregulares e de forma irregular.  Como que chega, portanto, ao usuário final? Mantém-se a qualidade?

O Efeito

Uma das coisas que já ouvimos é que o Israderm “dura mais” que outras marcas de toxina. E espalha mais também, tem um halo de ação maior.

Isso, não nego, pode ser algo positivo, porém também pode ser a fonte e origem de outros problemas. Pode ter uma atividade biológica maior, mas sem uma reconstituição bem definida, que ofereça os parâmetros adequados para o raio de ação, só se torna um problema a mais.

Tal como acontece no Dysport, que tem uma área de ação maior que o Botox, portanto exige uma reconstituição específica para que seja seguro.

O Problema

Temos recebido, infelizmente com uma alta frequência, casos cada vez mais preocupantes no uso do medicamento Israderm. Não estou sendo alarmista, mas dentre os nossos grupos de discussão temos recebido cada vez mais questionamentos sobre ele.

E não faltam problemas. Justamente por não existir nem uma bula, ou um guia de uso profissional, não se sabe a reconstituição ideal, não há a quem recorrer em caso de problemas. O profissional aplica pela conta e risco.

Próprio, e do paciente.

Muitos desses questionamentos são causados por intercorrências não técnica mas sim do próprio produto. Não dá pra saber nem os excipientes, como saber de alergias? Não é a toa que só neste ultimo ano, por duas vezes, tivemos relatos de angioedema,  fora outras situações como migração da toxina para áreas indesejadas causando ptose de pálpebra, sobrancelha, diplopia.

Tudo por conta de um halo de ação e concentração que não pode ser previsto na reconstituições regulares…

Ou seja, até para ser validado, precisaria de uma técnica de uso diferenciada.

Angioedema depois de poucas horas da aplicação. O que tem dentro do frasco? Não sei. Esta é uma imagem ilustrativa deste artigo  mas exatamente igual ao já vimos acontecer com uma paciente “vítima” do Israderm.

Falamos sobre isso em uma live há tempos atrás, você pode acompanhar aqui se quiser. Nesta live mostramos um caso mais antigo, mas que mostra o que pode ocorrer com seus pacientes…

O problema maior ainda

O que me deixa mais espantado, e porque não falar decepcionado, é que por uma questão financeira de poucos reais, muitos profissionais estejam utilizando este medicamento como um substituto válido em detrimento das sete outras marcas de toxina que temos regulamentadas no Brasil.

Ou seja, não é nem de perto a única alternativa de tratamento.

Será que vale economizar R$ 150  num frasco de toxina e passar por isso tudo? Pense em todas as consequências para o seu paciente, consequências legais para sua carreira, podendo você ser responsabilizado inclusive criminalmente pelo uso.

Esse esse valor paga todo esse aborrecimento? Justifica-se?

Mas o que me levou a escrever tudo isso foi um diálogo que tive com uma colega que trabalha há tempos com Harmonização orofacial:

– Rogério, você já ouviu falar do Israderm

E eu descrevi tudo que coloquei aqui para vocês. Com detalhes. E ela fecha com louvor:

– Mas não tenho alergia de nada, acho que vou tentar aplicar em mim.

Voltando ao que disse lá em cima: Esta é daquelas pessoas que precisam fazer xixi na cerca elétrica para ver se dá choque…


Continuando…

Esta postagem foi base de uma reportagem do Fantástico que foi ao ar em 13 de fevereiro de 2022. Todo material de pesquisa para esta postagem foi enviado à reporter Cristine Gallisa, que, com equipe jornalistica, conseguiu identificar informações extras sobre o  tema.

Você pode acessar por este link. 


Publicado por:
Mestre em Medicina/Cirurgia de Cabeça e Pescoço, Especialista em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial, Prótese Dentária, Prótese Bucomaxilofacial e em Harmonização Orofacial. Coordenador de cursos em Implantodontia e Harmonização Orofacial do Instituto Velasco, Diretor do Hospital da Face. Trabalha desde 2011 em harmonização facial.