Desenvolvimento de medicamentos. Método científico

Desenvolvimento de medicamentos. Ou “olha o trampo que dá pra fazer do jeito certo!”

A jornada que uma nova droga percorre, desde os estágios iniciais de pesquisa laboratorial até sua disponibilidade nas prateleiras das farmácias, é uma odisséia complexa, custosa e demorada. Em muitos casos, pode levar décadas para que um medicamento saia dos testes laboratoriais e seja finalmente acessível à população. Este artigo tenta explicar esse intrincado processo, ainda que é virtualmente impossivel resumir todos os aspectos sobre o tema em um único artigo. Mas vamos lá:

Desenvolvimento de Medicamentos: do nada à prateleira

A aprovação de um novo medicamento para uso humano envolve um processo rigoroso de testes e pesquisas para garantir sua segurança e eficácia. Aqui estão os passos gerais envolvidos:

Pesquisa Pré-clínica: Antes de testar em humanos, os cientistas realizam estudos em laboratório e em animais para entender a composição química do medicamento, sua toxicidade e possíveis efeitos colaterais. Isso ajuda a identificar se o medicamento tem potencial terapêutico.

Investigação de Novos Medicamentos: Depois da pesquisa pré-clínica, se o medicamento mostrar potencial, a empresa farmacêutica pode iniciar um processo de desenvolvimento de medicamento que envolve otimização da formulação, dosagem e produção em larga escala.

Fase Clínica 1: O medicamento é testado em um pequeno grupo de voluntários saudáveis para avaliar a segurança, dosagem e efeitos colaterais iniciais.

Fase Clínica 2: O medicamento é administrado a um grupo maior de pacientes para avaliar sua eficácia e continuar a monitorar a segurança. O estudo também ajuda a determinar a dosagem mais adequada.

Fase Clínica 3: O medicamento é testado em um grupo ainda maior de pacientes para confirmar sua eficácia, monitorar os efeitos colaterais em um grande número de pessoas e comparar com tratamentos existentes ou placebos.

Submissão de Dados: Com base nos resultados das fases clínicas, a empresa farmacêutica reúne os dados e submete um pedido de aprovação às autoridades regulatórias de saúde do país ou região onde deseja comercializar o medicamento.

Revisão Regulatória: As autoridades regulatórias revisam os dados fornecidos, avaliam a segurança, eficácia e qualidade do medicamento. Esse processo pode levar vários meses e pode envolver interações entre a empresa e as autoridades.

Aprovação: Se os dados forem considerados convincentes, as autoridades concedem a aprovação para comercialização do medicamento. Às vezes, podem ser exigidas restrições ou advertências na rotulagem, dependendo dos riscos identificados.

Monitoramento Pós-comercialização: Após a aprovação, o medicamento continua sendo monitorado quanto a efeitos colaterais e outras questões de segurança por meio de relatórios de pacientes e médicos. Isso ajuda a identificar quaisquer problemas que possam surgir após o medicamento estar no mercado.

Esse é um resumo geral do processo, e que pode variar de acordo com as regulamentações de cada país para tal processo.

Os resultados obtidos em pesquisas in vitro são diretamente aplicáveis aos sistemas in vivo?

Não exatamente, e a resposta não é tão simples quanto parece. Embora as pesquisas in vitro desempenhem um papel crucial no avanço do conhecimento científico, elas não podem ser consideradas equivalentes às condições do mundo real, ou seja, em organismos vivos.

As pesquisas in vitro referem-se a experimentos realizados em um ambiente controlado, muitas vezes em células ou tecidos isolados, fora de um organismo vivo. Essas pesquisas podem fornecer informações importantes sobre processos biológicos, interações moleculares e respostas celulares. Isso é particularmente útil na fase inicial de desenvolvimento de medicamentos ou na compreensão de mecanismos moleculares.

Existem até, em raras situações, a possibilidade destas simulações através de softwares especificos, ainda que seja algo em desenvolvimento.

No entanto, a transição dos resultados in vitro para situações in vivo, ou seja, em organismos vivos, nem sempre é direta. Os sistemas biológicos são extremamente complexos e dinâmicos, com interações diversas entre diferentes tipos de células, tecidos e órgãos. Portanto, o que funciona bem em um ambiente controlado de laboratório pode não se comportar da mesma maneira em um organismo completo.

É por isso que é essencial conduzir estudos adicionais em modelos in vivo, que envolvem organismos vivos (sim, cobaias), para validar e compreender completamente os efeitos de uma intervenção ou tratamento. Esses estudos proporcionam um contexto mais realista, permitindo avaliar como um tratamento afeta o organismo como um todo, incluindo possíveis efeitos colaterais e interações complexas.

E mais, quanto mais complexo o organismo, mais “distante” da realidade estará sua pesquisa in in vitro. Por isso é importante entender outra coisa:

As pesquisas em animais são diretamente aplicáveis aos seres humanos?

A resposta a essa pergunta, como a anterior, é bastante complexa e envolve considerações críticas sobre as diferenças entre espécies. Além disso, há uma questão ética que é bom discutir sobre as pesquisas em animais.

Há, de algum modo, a sensação que pesquisadores são sádicos ao utilizar animais para seus testes, mas isto está longe da realidade. Há uma regulamentação bastante criteriosa para garantir o bem-estar dos animais usados em experimentos, minimizar seu sofrimento, justificar cientificamente a necessidade de seu uso e buscar constantemente alternativas e refinamentos nos métodos de pesquisa.

Para isso, os Comitês de ética em pesquisa animal desempenham um papel crucial na revisão e aprovação de protocolos de pesquisa, enquanto a transparência, a educação e o treinamento adequados são componentes essenciais para garantir o tratamento humanitário dos animais e a busca contínua por métodos mais éticos na pesquisa biomédica.

O desafio ético reside na busca de um equilíbrio entre a necessidade de avançar no conhecimento científico e a obrigação de proteger o bem-estar dos animais. Isso exige que os pesquisadores façam escolhas cuidadosas, reduzam o uso de animais sempre que possível e trabalhem para aprimorar constantemente os métodos de pesquisa, visando a minimização do impacto negativo nos animais envolvidos em experimentos.

Mas voltando à baila, as pesquisas em animais desempenham um papel significativo na investigação científica, fornecendo informações muito valiosas sobre como determinados tratamentos, drogas ou substâncias podem funcionar em sistemas biológicos. Esses estudos são conduzidos em animais, como ratos, camundongos, macacos e outros, para entender os mecanismos de doenças, testar novas terapias e avaliar a segurança de intervenções médicas.

No entanto, é crucial reconhecer que existem diferenças substanciais entre as espécies, incluindo anatomia, fisiologia, metabolismo e respostas imunológicas. Essas variações biológicas podem afetar a aplicabilidade direta dos resultados de pesquisas em animais aos seres humanos. O que funciona bem em um modelo animal pode não se traduzir de forma idêntica em seres humanos.

Uma questão bem conhecida na história médica mostra como usar informações de pesquisas em cobaias pode trazer um prejuizo gigantesco às pessoas:

A talidomida foi desenvolvida na década de 1950 e passou por testes em animais na época. Nos estudos em animais, ela não demonstrou toxicidade significativa, o que levou à crença inicial de que era segura. Sendo “segura” nestes testes em animais, talidomida passou a ser comercializada como um sedativo e também prescrita para gestantes para maior conforto dos sintomas de enjoos e náuseas

Porém os testes em animais não identificaram os efeitos teratogênicos (causadores de malformações) do medicamento, que resultou em um trágico episódio na história da medicina. Milhares de bebês nasceram com graves deformidades congênitas devido à exposição à talidomida durante a gestação. Os afetados tristemente foram chamadas de “geração talidomida”.

Portanto, os resultados de estudos em animais geralmente são considerados como uma etapa preliminar na pesquisa biomédica, não algo definitivo.

Eles podem fornecer informações úteis, mas não são suficientes para determinar a segurança e eficácia de tratamentos em seres humanos. Para avaliar plenamente o impacto de uma intervenção médica, é necessário realizar estudos clínicos em humanos, como falamos no inicio deste texto.

Os ensaios clínicos em seres humanos são projetados especificamente para testar a segurança e eficácia de tratamentos, drogas ou procedimentos médicos em populações humanas. Esses estudos são fundamentais para determinar se um tratamento beneficia os pacientes, minimizando riscos e efeitos colaterais indesejados.

Finalizando…

O caminho que uma droga percorre, desde sua concepção inicial até a farmácia, é um testemunho da dedicação incansável dos cientistas e pesquisadores em busca de soluções médicas inovadoras. A complexidade e a meticulosidade desse processo refletem a importância da segurança e eficácia dos medicamentos que consumimos. No entanto, é igualmente importante considerar as questões éticas que cercam a pesquisa biomédica, especialmente quando se trata de pesquisas em animais.

À medida que cada novo medicamento chega ao mercado, ele carrega consigo uma história de pesquisa e desenvolvimento que se estende por anos, com muitos desafios superados e lições aprendidas (e custos muitas vezes estratosféricos). Portanto, ao pegar um medicamento da prateleira da farmácia, lembre-se de que ele é o resultado de uma jornada científica extraordinária, e que a pesquisa biomédica continua a moldar o nosso futuro e a melhorar a qualidade de vida de inúmeras pessoas em todo o mundo. Compreender esse processo nos capacita a fazer escolhas informadas sobre nossa saúde e a apoiar avanços científicos éticos que beneficiarão a todos.

Hasta.


Publicado por:
Mestre em Medicina/Cirurgia de Cabeça e Pescoço, Especialista em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial, Prótese Dentária, Prótese Bucomaxilofacial e em Harmonização Orofacial. Coordenador de cursos em Implantodontia e Harmonização Orofacial do Instituto Velasco, Diretor do Hospital da Face. Trabalha desde 2011 em harmonização facial.