Naturalização Facial

Falar “Naturalização Facial” é uma hipocrisia…

O resumo da ópera é o seguinte: tem um mundo de profissionais blogueiros com cara de bolacha Trakinas de tantos procedimentos querendo se descolar do termo “harmonizaçao facial” para falar que agora praticam a tal “naturalização facial”. E até alguns influencers falando que deixaram de lado a Harmonização para fazer a tal Naturalização.

Ok, entendi. Você pensa:

Lá vem aquele mala do Velasco pra polemizar de novo… Ele não cansa?

Na verdade canso. Estou muito cansado de tanta coisa errada que vejo na Harmonização Facial como um todo, com professores/influencers/vloggers (muitas vezes não dá pra distinguir) falando bobagem em postagens nas midias sociais e os incautos pacientes engolindo as novas ondas

Cansado de empresas falando mil maravilhas de produtos que entraram no mercado há poucos meses, chamando-os de disruptivos quando são tão eficientes quanto os demais similares do mercado.

Cansado das mesmas empresas vendendo produtos com registros irregulares sugerindo que “tudo bem usar off-label” quando na verdade é um uso completamente errado.

Cansado de formadores de opinião que pensam que ao repetir insistentemente mentiras elas se transformam em verdades absolutas, sem evidências científicas nenhuma do que se propaga.

Estou muito cansado sim.

Mas hoje vou falar somente de um “cansaço”: profissionais que se dizem de “bom senso” e “com apuro estético diferenciado” entregando resultados cada vez mais exagerados aos pacientes (que são em grande parte vítimas deste marketing) e agora, de forma absolutamente hipócrita, querendo se descolar das atrocidades que eles mesmos causam, divulgando a mais nova técnicas de “Naturalização Facial”.

Mas estou me adiantando, porque o assunto é complexo. Acompanhe meu pensamento…

O que é “ter bom-senso”?

A noção de “bom senso” na harmonização facial varia significativamente entre profissionais devido a uma combinação de fatores pessoais, culturais, educacionais e experiências profissionais. Esse espectro de percepções é especialmente relevante quando se considera o impacto do dismorfismo tanto nos pacientes quanto nos próprios profissionais que prestam esses serviços (que falaremos mais a frente).

Pra entender, “bom senso” refere-se à capacidade de tomar decisões prudentes e práticas baseadas em uma simples percepção da situação ou dos fatos. Na estética, isso geralmente se traduz na habilidade de avaliar de forma crítica as necessidades e desejos do paciente, equilibrando-os com o que é clinicamente apropriado e esteticamente desejável.

Cada profissional tem uma régua pra medir seu “bom-senso”. Isso não é inerentemente ruim. No entanto, o que é considerado “apropriado” ou “desejável” pode variar enormemente:

Influências Culturais e Sociais

As normas estéticas são influenciadas pela cultura e pela sociedade. O que é considerado atraente em uma região ou cultura pode ser visto como feio, indesejável ou exagerado em outra.

Em tempos de midias sociais, as culturas se misturam (não saberia explicar isso do ponto de vista “antropológico”, mas vivemos em um momento que várias culturas se mesclam e meio que estão pasteurizadas). Por exemplo: se pegarmos locais que tem uma formação em comum (ainda que na forma de colonizador/colonizado), como o Brasil e Europa, em especial os paises ibéricos, há muitos pontos de “convergências estéticas“.

O ponto é que profissionais de diferentes origens podem ter visões divergentes sobre o que constitui uma aparência “natural” ou “harmoniosa”.

Isso se justifica quando falamos de profissionais brasileiros?

Não, não se justifica. Mesmo se considerarmos o tamanho do Brasil e grandes diferenças regionais, no que se refere ao que é desejado e agradável aos olhos será muito, muito, muito similar o que uma gaúcha, uma mineira e uma cearense buscariam em termos de estética facial.

Formação e Experiência

Aqui a coisa pega, e é uma das partes mais desesperadoras dentro deste campo. Entendemos que a formação educacional e a experiência clínica moldam as percepções do profissional sobre o que é seguro, eficaz e esteticamente agradável. Por exemplo: um profissional que foi formado por um professor com ampla experiência em procedimentos minimamente invasivos pode ter uma abordagem muito mais conservadora em comparação com alguém que se especializou com alguém que tem conhecimento em técnicas cirúrgicas mais transformadoras, por exemplo.

Porque sim, nosso conhecimento é moldado pelo profissional que nos ensina, e você, profissional, carrega muito dos conceitos iniciais com os quais teve contato, especialmente daqueles transmitidos pelo primeiro (ou pelos primeiros) professor(es).

Essa influência inicial pode criar uma base sólida ou limitar as perspectivas, dependendo da variedade e profundidade da educação recebida. Não só isso. O inicio do aprendizado reflete não apenas os fatos e teorias fundamentais, mas também as tendências e manias presentes na época em que foram educados. Essas tendências podem incluir modismos na prática clínica, teorias em voga naquele momento, ou até mesmo preconceitos e estereótipos que podem se infiltrar no ensino, e que vai com certeza refletir na prática.

Portanto, é essencial que os educadores estejam cientes do impacto significativo que têm sobre o desenvolvimento intelectual de seus alunos e se esforcem para fornecer uma educação ampla, inclusiva e atualizada, mas isso está longe de ser a regra neste campo.

Basta lembrar que em 2017/2018 a cirurgia de Bichectomia ficou tão, tão em alta que era sinônimo de beleza ter feito um procedimento destes. E depois vide o que aconteceu com muitos dos instagrammers da época falando de arrependimento depois de feito o procedimento. Temos  dezenas de matérias na grande mídia falando “dos perigos da bichectomia”. Porquê? Simples: porque se indicava (e se indica ainda!) para quem quisesse fazer, não para quem este tratamento é indicado de verdade..

Ou então: indicava para todos os pacientes porque é (ou era) o único procedimento que o profissional faz (ou fazia) na Harmonização facial.

Não! isso não é verdade! Todos profissionais da saúde são imbuidos de uma iluminação divina e nunca fariam isso!

Arrã. Tá bom. Igor Alves, o profissional que alavancou a Harmonização facial no Brasil depois de tratar a Gretchen fazia exatamente isso. Duvida? Veja o video, e preste atenção na parte final. É curtinho:

A Harmonizaçao Facial vive do que está moda. E a moda pode ser desde um vestido tubinho preto Channel até um tênis pré-estragado da Balenciaga. Ou até o vestido de carne da Lady Gaga…

Entendeu (parte) do problema?

Outro ponto importante é a entender que os profissionais harmonizaçao facial também são indivíduos com suas próprias percepções e preferências estéticas. Aqueles que talvez lutem com suas próprias questões de imagem corporal ou dismorfismo podem ter uma tolerância diferente para o que consideram “normal” ou “exagerado”, influenciando sua prática profissional e o que entregam para os pacientes.

E aí entramos em um assunto do outro mundo:

O Dismorfismo facial e os Aliens

Se você  atua com estética facial/corporal e não esteve em Marte ou em Jupiter nos últimos 10 anos, deve ter ouvido falar de Transtorno Dismórfico Corporal (TDC), uma condição psiquiátrica caracterizada por uma preocupação obsessiva com defeitos percebidos na aparência física que são invisíveis a todos, menos a quem sofre do transtorno.

Qual a prevalência deste transtorno entre as pessoas “comuns”? Ainda que não seja bem estabelecido, pode variar de 0,7% a 2,4% conforme o estudo.

Mas este número pode ser muito, muito superior se levarmos em consideração os PROFISSIONAIS que trabalham com estética facial. Pode parecer estranho, ou até mesmo uma alegação a toa, mas este estudo mostrou exatamente isso. Ainda que limitado a 200 profissionais, a prevalência foi muito maior que isso: 15% com sinais que sugerem Transtorno Dismórfico Corporal nos profissionais.

Não pense você, leitor, que esta informação é nova. Este aspecto é muito discutido em meios acadêmicos, mas muito pouco abordado no dia a dia, afinal qual profissional se identificaria com isso?

E como tratar um transtorno de alguém se você tem o mesmo transtorno? Como isso impacta no que você oferece a seu paciente como estético e agradável?

Percebemos que o estranho e o bizarro entro da estética facial é quase que unânime entre os principais profissionais da Harmonização facial. Basta 10 minutos no Instagram que percebemos isso.

Mas veja bem: quando falo “percebemos” entende-se neste grupo os profissionais que não possuem o transtorno e que conseguem fazer uma análise distante da situação. Quem tem TDC possivelmente não verá nada estranho.

Teria uma lista muito, muito grande para colocar como exemplos de profissionais que, à distância, mostram sinais claros de uma percepção estética bizarra. Gostaria muito de listar aqui para que possa tirar sua própria conclusão, mas como já temos alguns processos justamente por falar estas coisas prefiro não listar nada (pois é, os transtornados se ofendem fácil e processam a gente…).

E a lista é grande: desde autores de livros até a “harmonizadores” faciais com centenas de milhares de seguidores. E é engraçado pensar que até o termo “seguidor” remete a uma pessoa que segue sem questionar. É como se o seguido fosse ungido pelo deus da sapiência e não pudesse ser questionado…

A soma de 2+2 é 5 quando somamos um paciente com um profissional com Transtorno Dismórfico Corporal. Daí que vira uma coisa de outro mundo.

Literalmente. Tanto que na literatura, ao lado de “Overfilled Syndrome” (sindrome do excesso de preenchimento), “Pillow-Face” (rosto de almofada, traduzido grosseiramente), surge agora um termo que acho excelente: ALIENIZAÇÃO.

Ou seja, saimos do normal e entramos em algo completamente fora da realidade. Extra-terrestre por assim dizer. Profissionais com dismorfismo facial podem projetar suas inseguranças e padrões estéticos distorcidos em seus pacientes, que também pode ter padrões distorcidos, sugerindo procedimentos desnecessários cujo resultado final pode ser desastroso.

É meio como o Vale da Estranheza, que alguns anos atrás já explicamos como ele se aplica à Harmonização facial:

Poderia apontar que um portador de Transtorno Dismórfico Corporal pode se sentir mais atraído por profissões focadas na estética, já que estão mais suscetíveis a preocupações com a própria aparência, mas é uma especulação minha, ainda que penso estar certo nesta questão

Também poderia dizer que o Instagram é em boa parte “culpado” disso. Lá, vemos a cada reels, a cada postagem a busca da perfeição estética, uma exposição constante a padrões de beleza idealizados (e não menos exagerados).

Sendo o Instagram uma ferramenta importante para os profissionais da harmonização, há uma  pressão constante para que estes mantenham uma imagem pessoal que reflita suas habilidades profissionais.

Mas uma coisa é habilidade, outra coisa é senso estético, né?

Posso estar viajando nesta afirmação, mas penso que no mundo ideal os profissionais, para ingressar nesta área, teriam de passar por um exame psicológico/psiquiatrico e, se identificado qualquer evidência de Transtorno Dismórfico Corporal, deveriam ser encorajados a não atuar na área.

Bem louco este pensamento, né?

Agora sim, a Naturalização Facial, essa hipocrisia…

Vou pegar uma “definição” do que acham que é tal “naturalização facial” que veio do médico da Virginia Fonseca, esta influencer que gosta muito de bases a prova dágua (que kibei lá do artigo do Gshow)

No processo de naturalização facial, feito pela influenciadora, é utilizada a junção de tecnologias com ultrassom microfocado, que vai trabalhar tanto a musculatura como o estímulo de colágeno, lasers para trabalhar a epiderme, que dão um efeito glow, deixando a pele mais radiante e luminosa.

Além disso, a gente utiliza ácido hialurônico em pontos específicos, que a gente chama de oito pontos de lifting, a gente coloca justamente nos ligamentos para sustentar o rosto, levantar e não preencher, inclusive emagrece o rosto do paciente. A gente pode lançar mão também dos esvaziadores faciais, para quem tem o rosto mais gordinho, detalha o dermatologista.

Vamos lá: Ultrassom, laseres, acido hialurônico, esvaziadores faciais e até o ultrapassado 8-point lift (talvez ele nao tenha ouvido falar de MD Codes ainda, sei lá). Ora, são os mesmos procedimentos realizados na Harmonizaçao facial!

Então quando muda da harmonização para a naturalização? O artigo explica:

A naturalização facial é um procedimento médico realizado por dermatologistas e cirurgiões plásticos, diferente da harmonização facial, feita por toda classe de saúde, entre eles médicos, dentistas e biomédicos.

Ahhh, bom! Então vejo aqui a tentativa dos “sim-médicos” se descolarem dos “não-médicos”.

Então tudo se resume àquela velha rixa de “sim-médicos” versus “não-médicos”?

Não exatamente. Tenho muito mais contatos com os não-médicos e o discurso é EXATAMENTE o mesmo. Tudo é uma disputa de narrativas, né? Mas em essencia o que se fala sobre naturalização facial é uma matemática:

Harmonização facial – (menos) Exageros = (igual) Naturalização facial

Precisa disso? Não, se houvesse uma mudança de valores da especialidade. Vou eu mudar? Não tenho ainda os poderes do Prof. Xavier, mas posso reclamar, né?

Na prática, a naturalização é igual a harmonização. Mesmas técnicas, mesmas tecnologias, mesmos produtos, só estão empacotando de um jeito como sendo novidade. Tão novo como andar pra frente.

Aproveitam inclusive que muitos instagrammers e influenciadores digitais que estão fazendo a reversão de tratamentos de harmonização facial. Estão se “desarmonizando” para depois realizar a naturalização.

Olha só o Eliezer, que é um assunto recente:

Naturalização Facial, harmonização facial, eliezer
Nas imagens marcadas com A, é um ótimo resultado, foi chamada na época de Harmonização Facial, hoje talvez teria sido chamado de “naturalização facial” por alguns. No B, o exagero. Tão exagerado que ficou bem parecido com o Professor Utônio das Meninas Superpoderosas (C)

Depois de analisar as imagens, quem “errou”? Não sei se o termo “erro” se aplica realmente, mas temos duas pessoas envolvidas: o profissional e o paciente. Não sei se o resultado da foto B foi o mesmo profissional, mas se foi, perdeu a mão, né? Tava tão bom…

Fechando o assunto

Poderia falar muito mais sobre este aspecto, mas acho que deu pra entender o ponto que quero chegar.

Se não podemos contar com a regua do bom-senso, se não podemos contar com a sanidade do paciente e/ou do profissional, se o marketing prevalecer sobre o fato, a Harmonização está fadada a uma morte lenta e dolorosa.

Em seu lugar, vai surgir a Naturalização Facial, ainda que seja basicamente uma nova nomenclatura para tratamentos que já existem, mas no esquema “use com moderação”. Mudanças acontecem e tudo depende de como reagimos a elas, vamos ver como evolui…

Vou terminar entendedo o que Camões falava sobre mudança:

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança;
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.

Continuamente vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança;
Do mal ficam as mágoas na lembrança,
E do bem, se algum houve, as saudades.

O tempo cobre o chão de verde manto,
Que já coberto foi de neve fria,
E em mim converte em choro o doce canto.

E, afora este mudar-se cada dia,
Outra mudança faz de mor espanto:
Que não se muda já como soía.

 

Da minha parte, vou continuar chamando Harmonização Facial de Harmonização Facial até que o último prego do caixão for colocado. Mas não vou chorar. Mudo o nome e mantenho o rumo.

Era isso. Hasta.


Publicado por:
Mestre em Medicina/Cirurgia de Cabeça e Pescoço, Especialista em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial, Prótese Dentária, Prótese Bucomaxilofacial e em Harmonização Orofacial. Coordenador de cursos em Implantodontia e Harmonização Orofacial do Instituto Velasco, Diretor do Hospital da Face. Trabalha desde 2011 em harmonização facial.