O guia completo para o tratamento do ETIP – Edema Tardio Intermitente Persistente

O guia completo para o tratamento do ETIP – Edema Tardio Intermitente Persistente

O Edema Tardio Intermitente Persistente (ETIP) é uma condição que se manifesta, como o nome fala, obviamente, na forma de um edema de início tardio, intermitente e persistente, ocorrendo pelo menos 30 dias após a aplicação de ácido hialurônico (AH), eventualmente até anos depois de um tratamento com este tipo de preenchedor (na maioria das vezes).

Esse tipo de reação adversa, relacionada ao uso de preenchedores dérmicos, é caracterizado por episódios recorrentes de inchaço na área da aplicação, demonstrando a complexidade e a necessidade de um diagnóstico e tratamento adequados. Com a crescente popularidade de procedimentos de harmonização facial e preenchimento facial, o ETIP emergiu como um tópico significativo na Harmonização Facial, desafiando profissionais a entenderem melhor suas causas, manifestações e opções de tratamento para otimizar a segurança e satisfação do paciente.

Vamos nos aprofundar no entendimento do ETIP, abordando suas manifestações clínicas, causas, diagnóstico e as relações diretas com preenchedores a base de ácido hialurônico. Além disso, discutiremos as estratégias atuais para o tratamento e manejo do ETIP, destacando a importância do diagnóstico diferencial e respectivo tratamento.

Ao identificar os fatores que contribuem para esta reação adversa, e compreender seu mecanismo etiopatológico, visamos fornecer informações importantes para a prevenção e cuidados futuros, essenciais para avançar as práticas na área de harmonização facial enquanto especialidade eminentemente estética e garantir resultados positivos para os pacientes que passam a enfrentar eventos adversos como hipersensibilidade e edema na face após procedimentos com preenchedores.

Manifestações Clínicas do ETIP

As nossas investigações sobre o ETIP revelam uma série de manifestações clínicas que são essenciais para o diagnóstico e tratamento adequados desta condição. Abaixo, detalhamos as principais características observadas em pacientes afetados pelo ETIP:

Edema Recorrente e Persistente: O ETIP manifesta-se por episódios recorrentes de edema na área onde foi injetado o ácido hialurônico, com períodos de remissão curtos ou longos e sem nódulos palpáveis. Não há um padrão identificável nem do período do surto como no período de remissão.

Placas Eritematosas Infiltradas: Pacientes podem apresentar placas eritematosas infiltradas nas regiões que foram preenchidas com ácido hialurônico. Há algumas regiões que parecem ser mais suscetíveis a esta reaçao como os lábios, olhos e região sulconasolabial, surgindo pelo menos 4 meses após a aplicação de AH. Não está claro na literatura se estas regiões são mais frequentes afetadas por serem áreas mais desejadas nos tratamentos estéticos ou se são de fato mais suscetíveis a esta reação inflamatória.

Desencadeadores e Fatores Precipitantes: Infecções, traumas locais, vacinação, medicamentos imunoterápicos ou períodos menstruais também tem sido identificados como desencadeadores dos surtos 6, 13, 14. Poderiamos simplificar afirmando que, no geral, alterações sistêmicas do quadro imunológico tem sido o principal fator desencadeador de um quadro de ETIP.

Essas informações são cruciais para o diagnóstico preciso e o desenvolvimento de estratégias eficazes para o tratamento do ETIP, garantindo uma abordagem personalizada e baseada em evidências para cada paciente.

Fatores Desencadeantes do ETIP

As investigações sobre as causas do ETIP revelam uma complexidade de fatores que contribuem para o seu desenvolvimento. A seguir, apresentamos uma análise detalhada dos fatores que estão associados aos surtos clínicos.

Fatores Desencadeantes

Infecções: O início do ETIP pode estar associado a Infecções sistêmicas virais e/ou bacterianas, bem como infecções locais como rinosinusites e infecções odontogênicas, foram identificadas como desencadeadores em aproximadamente 39% dos casos segundo relatos. Episódios de ETIP associados a infecções sistêmicas são tipicamente precoces, de curta duração e podem resolver-se espontaneamente.

Traumas Locais: A ocorrência de trauma mecânico nas áreas de injeção do ácido hialurônico é um gatilho conhecido.

Procedimentos Dentários e Faciais: Intervenções nestas áreas, especialmente se houver predisposição individual, podem iniciar o processo inflamatório associado ao ETIP. Procedimentos estéticos recorrentes em uma mesma área facial também pode estar associado ao ETIP

Imunoterápicos: há relatos do uso de anticorpo monoclonal como o Denosumabe (para o tratamento de osteoporose) como um agente desencadeante 3, 9, 10.

Mecanismos Potenciais

Reações Imunológicas: O sistema imunológico pode reagir contra os preenchedores, como o ácido hialurônico, levando a uma reação mediada pelo sistema imune. Este quadro pode ser caracterizado como uma reação alérgica intensa no local, levando ao edema

Presença de Bactérias: Certas bactérias, como Staphylococcus spp e Propionibacterium acnes, foram associadas ao desenvolvimento do ETIP, sugerindo um papel importante das infecções bacterianas, sejam locais ou sistêmicas. Isso reforça a necessidade da aplicação de técnicas assépticas adequadas durante o processo de injeção minimiza a presença bacteriana no decorrer do tratamento.

Degradação do Ácido Hialurônico: A degradação do AH em fragmentos menores ao longo do tempo pode contribuir para o processo inflamatório 8. A ácido hialurônico de alto peso molecular (acima de 1.000 kDa) é conhecido por inibir a inflamação através da produção de citocinas anti-inflamatórias pelos receptores CD44, enquanto fragmentos abaixo de 1.000 kDa são proinflamatórios, podendo ativar os receptores Toll-like 2 e 4 e iniciar uma resposta inflamatória. Os preenchedores utilizam ácido hialurônico com peso molecular variando entre 500 a 6.000 kDa. Apesar da presença de ácido hialurônico de alto peso molecular nos preenchedores, este pode ser degradado em fragmentos de 20 kDa, potencialmente induzindo uma resposta inflamatória na periferia do preenchimento e atuar como um agente desencadeante de um quadro de ETIP16

A Relação entre ETIP e os processos de Reticulação de Ácido Hialurônico

Ainda que todos os medicamentos disponíveis no mercado tenham passado por testes de segurança, há um indício muito forte de que alguns processos de reticulação possam colaborar com o desenvolvimento de quadros de ETIP cada vez mais frequentes.

Costumamos apontar como vantagens dos preenchedores a base de ácido hialurônico o fato dele ter uma vida útil relativamente baixa, sendo “completamente” degradado pela hialuronidase endógena após determinado periodo, mas o fato é que a busca das empresas no desenvolvimento de novos produtos é justamente tentar manter sua efetividade pelo maior tempo possível, e para isso utiliza processos de reticulação cada vez mais aprimorados para evitar a degradaçao do material.

Se por um lado isso se mostra interessante pelo tempo de efetividade clínica, por outro pode se mostrar um problema sério na hora de correção através do uso de Hialuronidase ou mesmo no que diz respeito aos gatilhos para desenvolvimento dos quadros de ETIP.

Um aspecto interessante é que, ao ser examinado por Ultrassonografia, as regiões que sofrem com o quadro de ETIP podem mostrar a presença de ácido hialurônico anos depois de implantados, ou seja, muito além do suposto “tempo de degradação” sugerido. Nestes locais, a ultrassonografia mostra a presença de ácido hialurônico na área edematosa (formação hipoecoica, compatível com material exógeno) associada ao aumento da espessura e ecogenicidade do tecido subcutâneo (paniculite).

Existe uma base de evidências, ainda que não completamente esclarecidas, de que tecnologias mais recentes de reticulação como da linha Juvederm Vycross, estão mais associadas a quadroS de ETIP, já que esta mostra-se especialmente efetiva na reticulação do ácido hialurônico, além de trazer em seu processo o uso de cadeias moleculares menores (como dito anteriormente) que podem ter características proinflamatórias.

Inclusive este processo de reticulação está sendo aprimorado e hoje temos preenchedores como o Juvederm Volux, que tem tempo de degradação superior a 18 meses, muito maior que qualquer outro do mercado.

Edema Tardio Intermitente Persistente
O prórpio marketing da Juvederm é a vantagem de usar cadias menores de ácido hialurônico ao invés de BDDE, será que é tão melhor assim?

Diagnóstico e Identificação do ETIP

No diagnóstico e identificação do ETIP, a utilização de métodos de imagem e a confirmação histopatológica são algumas ferramentas disponíveis para tanto, ainda que não sejam essenciais ao protocolo de tratamento que será apresentado posteriormente.

Uso de Ultrassonografia

A ultrassonografia é uma ferramenta valiosa, sendo um método de imagem não invasivo e facilmente acessível, que revela formações hiperecoicas, circunscritas e alongadas no tecido subcutâneo, características do ETIP.
Este exame pode identificar a presença de ácido hialurônico na localização do edema, além de mostrar espessamento difuso e aumento da ecogenicidade do tecido subcutâneo.

Confirmação Histopatológica

Podemos considerar a realização de uma biópsia, apesar de sua natureza invasiva, como uma medida para assegurar a precisão do diagnóstico, especialmente em casos de recorrências do edema mesmo após seguir o protocolo de tratamento sugerido. Caso contrário, pensamos ser uma ação desnecessária no quadro de ETIP

Pensamos que o diagnóstico diferencial do ETIP, pode ser feito baseado em informações coletadas clinicamente e um questionário sobre as características do quadro. Com base no tempo de início, podemos entender que:

Início Precoce: Ocorre dentro de 24 horas após a aplicação do preenchedor. Este tipo de edema pode ser confundido com reações alérgicas imediatas ou resposta inflamatória aguda ao procedimento de injeção. Ou seja, não pode ser classificado como ETIP

Início Tardio: Manifesta-se entre 24 horas a 30 dias após o procedimento. Este intervalo pode abranger reações inflamatórias subagudas, possivelmente relacionadas a infecções bacterianas subclínicas ou a uma resposta imunológica inicial ao ácido hialurônico, do mesmo modo não pode ser classificado como ETIP

Início Muito Tardio: O Edema Tardio Inflamatório Persistente (ETIP) geralmente emerge entre três e quatro meses após a aplicação e caracteriza-se pela sua natureza recorrente, com episódios que podem surgir com intervalos que variam de algumas semanas a meses. Levando em consideração o contexto em que tratamentos sintomáticos proporcionam remissão temporária dos sintomas no momento dos surtos, a recorrência desses episódios passa a ser um critério definidor do ETIP, evidenciando a necessidade de uma abordagem diagnóstica e terapêutica cuidadosa para o manejo eficaz dessa condição.

Este entendimento não apenas auxilia na compreensão das possíveis causas subjacentes ao edema, mas também orienta os profissionais de saúde na escolha da estratégia de tratamento mais adequada. Reconhecer o momento do início dos sintomas é um passo fundamental no processo de diagnóstico diferencial, permitindo uma abordagem mais direcionada e eficiente no manejo do ETIP.

Tratamento e Manejo do ETIP

Antes de iniciar o tratamento específico, é crucial descartar a presença de qualquer quadro infeccioso. Presença de abscesso e qualquer tipo de exsudato já indicam um quadro infeccioso e não deve ser seguido o protocolo a seguir.

No tratamento e manejo do ETIP, a abordagem deve ser personalizada e baseada em evidências clínicas, considerando a complexidade e diversidade dos casos.

Em quadros leves, somente o uso de anti-inflamatórios tópicos são suficientes. Aplique na área afetada para aliviar sintomas leves de inflamação até remissão dos sintomas.

Já para o manejo de casos moderados a graves de Edema Tardio Inflamatório Persistente (ETIP), o tratamento se concentra em três frentes principais: a eliminação do ácido hialurônico residual, a modulação da resposta imunológica no local afetado, e a aplicação de um tratamento anti-inflamatório eficaz. Esta abordagem integrada busca não apenas tratar os sintomas manifestos, mas também atacar as causas subjacentes do ETIP, visando um alívio mais duradouro e prevenindo recidivas. Os componentes do tratamento são detalhados a seguir:

  • Uso de Hialuronidase: A administração de hialuronidase é essencial em pacientes cujo ETIP está associado a preenchedores de ácido hialurônico. Este enzima catalisa a degradação do ácido hialurônico residual, facilitando a redução significativa do edema e da inflamação local. A dosagem e a frequência de aplicação devem ser cuidadosamente determinadas com base na extensão da área afetada e na severidade dos sintomas.
  • Anti-histamínicos por 7 a 14 Dias: O uso de anti-histamínicos orais por um período de 7 a 14 dias é recomendado para controlar o prurido e outros sintomas de natureza alérgica que frequentemente acompanham o ETIP. Esses medicamentos ajudam a diminuir a resposta imunológica exacerbada no local afetado, contribuindo para o conforto do paciente e a redução da inflamação.
  • Corticóides Esteroidais por 7 a 28 Dias: A terapia com corticoides esteroidais, administrada por um período de 7 a 28 dias, é um pilar fundamental no tratamento de casos moderados a graves. Os corticoides possuem potente ação anti-inflamatória, atuando de forma eficaz na diminuição da resposta inflamatória e imunológica local. A escolha do corticoide, sua dosagem e a duração do tratamento devem ser ajustadas de acordo com a gravidade dos sintomas e a resposta clínica do paciente ao tratamento inicial.
  • Doxiciclina por 7 a 28 dias: apesar de ser classificada como um antibiótico da família das tetraciclinas, apresenta propriedades de modulação inflamatória que se mostram benéficas no tratamento do Edema Tardio Inflamatório Persistente (ETIP). Essa característica permite que a Doxiciclina atue não apenas combatendo potenciais infecções bacterianas, mas também reduzindo a resposta inflamatória no local afetado. Recomenda-se a administração de Doxiciclina em conjunto com corticosteroides para potencializar o efeito anti-inflamatório.

Esta abordagem tridimensional visa não apenas aliviar os sintomas de forma rápida e eficaz, mas também prevenir futuras complicações e recorrências do ETIP, garantindo um melhor prognóstico para o paciente. É imperativo que o tratamento seja acompanhado por uma avaliação clínica contínua, permitindo ajustes terapêuticos conforme necessário para otimizar os resultados.

Prevenção e Cuidados

Para garantir a prevenção e cuidados adequados no contexto do tratamento com preenchedores faciais, especialmente em relação ao edema tardio intermitente persistente (ETIP), consideramos essencial seguir estratégias baseadas em práticas recomendadas e evidências clínicas. A seguir, detalhamos algumas dessas estratégias:

Técnica de Injeção Apropriada:

Utilizar técnicas de injeção que minimizem o risco de complicações, como a injeção lenta e a utilização de cânulas em vez de agulhas, quando apropriado, pode ajudar a reduzir a incidência de ETIP. A escolha do local de injeção e a profundidade também são cruciais, pois a aplicação precisa pode diminuir a chance de reações adversas. Os materiais que são colocados mais superficialmente tem maior chance de edemas

Triagem e Avaliação do Paciente:

Realizar uma avaliação detalhada do histórico médico do paciente, incluindo alergias, medicamentos em uso e histórico de procedimentos estéticos anteriores.  Informar os pacientes sobre os possíveis riscos e complicações associados ao uso de preenchedores dérmicos, garantindo que tenham expectativas realistas.

Seguimento Pós-procedimento:

Agendar consultas de acompanhamento para monitorar a resposta ao tratamento e identificar precocemente quaisquer sinais de complicações, como o ETIP.Instruir os pacientes sobre os sinais de alerta de complicações e a importância de reportá-los imediatamente.

Apesar da taxa de ocorrência do ETIP ser relativamente baixa, a demanda crescente por procedimentos estéticos não cirúrgicos para melhorar a harmonia facial e abordar preocupações relacionadas ao envelhecimento aumenta a importância de estratégias preventivas eficazes. O uso de volumes maiores de preenchedores pode aumentar o risco de ETIP, portanto, a moderação na quantidade de material injetado e a escolha de produtos de qualidade são essenciais para minimizar os riscos. Através da adoção dessas práticas recomendadas, podemos não apenas melhorar a segurança e a satisfação do paciente, mas também contribuir para o avanço das práticas na área de dermatologia.

Implicações Futuras para a Harmonização Facial

Ao aprofundar na compreensão do Edema Tardio Intermitente Persistente (ETIP), fica evidente a importância de uma abordagem diagnóstica e terapêutica precisa e fundamentada em sólidas evidências clínicas. Este guia destacou as manifestações, causas, diagnósticos diferenciais e recomendações de tratamento do ETIP, abordando desde os mecanismos etiopatológicos subjacentes até as estratégias de prevenção e cuidados pós-procedimento. Com isso, oferecemos uma visão abrangente que auxilia profissionais de dermatologia a identificar e manejar eficazmente esta condição complexa, melhorando o prognóstico e a qualidade de vida dos pacientes.

A conscientização sobre os potenciais desencadeadores, a importância da seleção adequada de preenchedores, e a implementação de técnicas de injeção minuciosas são essenciais para minimizar o risco de ETIP e garantir resultados positivos. O enfoque na personalização do tratamento, a adoção de práticas baseadas em evidências e a educação continuada dos pacientes sobre os riscos e sinais de alerta de complicações emergem como peças-chave para avançar na prática dermatológica. A colaboração contínua entre pesquisadores e clínicos é crucial para expandir nosso entendimento sobre o ETIP, otimizando ainda mais as estratégias de prevenção, diagnóstico e tratamento em face dos desafios apresentados por esta condição que tira o sono de pacientes e profissionais.



Publicado por:
Mestre em Medicina/Cirurgia de Cabeça e Pescoço, Especialista em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial, Prótese Dentária, Prótese Bucomaxilofacial e em Harmonização Orofacial. Coordenador de cursos em Implantodontia e Harmonização Orofacial do Instituto Velasco, Diretor do Hospital da Face. Trabalha desde 2011 em harmonização facial.